TV a cabo emperra e Warner se atrapalha rumo à disrupção
Há apenas três anos, o executivo de mídia David Zaslav assinou o acordo de sua vida: combinou sua TV Discovery, muito menor, com a Warner Bros, dona da HBO, em uma fusão de US$ 43 bilhões, descrita por ele como um “encontro com o destino”. Na segunda-feira (9), na prática, Zaslav desfez o negócio, separando a Warner Bros Discovery em duas empresas cujos futuros prometem ser bem diferentes.
A parte de streaming e de estúdios cinematográficos, que abriga as operações de produção da HBO e da Warner Bros, está bem preparada para a batalha contra as empresas de tecnologia americanas, como a Netflix.
Por outro lado, a parte, ainda lucrativa, de operações de canais tradicionais, que inclui a CNN, a Discovery e a maior parte da dívida de US$ 37 bilhões do conglomerado, depara-se com a perspectiva de um declínio irreversível no número de espectadores.
Entre as fileiras de funcionários da Warner, a notícia provocou um sentimento de exasperação, com alguns lamentando terem vivido três anos de transformações apenas para voltarem ao ponto de partida.
A mudança “revela uma empresa se atrapalhando em seu caminho à disrupção”, disse o analista Paul Verna, da firma de análises de mercado eMarketer.
Executivos de bancos e do setor dizem que a cisão da Warner Bros Discovery (WBD) é mais um grande marco no processo de desintegração da era de ousadias da TV a cabo.
A TV a cabo, um dos negócios mais lucrativos da história da mídia, é um cubo de gelo derretendo. O crescimento da Netflix e os pesados investimentos em streaming de empresas como Apple e Amazon levaram milhões de americanos a desistirem de suas assinaturas de TV a cabo.
Os últimos dez anos foram marcados por dolorosas demissões, reestruturações e destituições de executivos, à medida que o setor foi lidando com suas novas circunstâncias.
Vários consultores de altos executivos de mídia fizeram avaliações amargas sobre a separação da WBD, que chega à esteira de uma divisão semelhante da rival Comcast.
Uma fonte descreveu o plano como “um grande e feio imposto de saída” para os acionistas esperançosos em se afastar dos meios de comunicação tradicionais – e um plano que pouco faz para resolver os desafios estruturais maiores. Outra simplesmente disse: “No fim das contas, ninguém quer realmente esses ativos”.
O que está claro é que a transação de segunda-feira é mais uma vitória para Zaslav, o nova-iorquino que abriu caminho até o topo de Hollywood há três anos com uma fusão carregada de dívidas.
Zaslav, que passou toda a carreira trabalhando em TV, mudou-se para Los Angeles em 2022. Ele se instalou na antiga mesa de Jack Warner, discursou poeticamente sobre o legado dos irmãos Warner e, a seguir, tomou uma série de decisões impopulares que o levaram a ser chamado de “o homem mais odiado de Hollywood”.
Durante seu tempo à frente das operações combinadas, Zaslav demitiu milhares de funcionários. O magnata do cabo estava convicto de que o público ainda desejava os programas de canais da Discovery como HGTV e Food Network, que, segundo ele, ajudariam o Max, principal serviço de streaming da HBO, a alcançar a Netflix.
Ele mudou o nome da HBO Max, que exibe séries de sucesso como “The Last of Us” e “The White Lotus”, para Max, para tentar ampliar seu apelo a uma audiência global. Depois, o nome foi alterado de volta para HBO Max.
Em memorando para a equipe na segunda-feira, Zaslav disse que a fusão entre Warner Bros e Discovery havia funcionado bem, embora as ações da WBD tenham se desvalorizado de US$ 24 para US$ 9 desde que o acordo foi consumado em 2022.
Em contraste com os acionistas, Zaslav obteve um retorno considerável. O executivo-chefe (CEO) ganhou quase US$ 400 milhões em pagamentos e opções de ações nos últimos três anos. Seu mais recente pacote de remuneração de US$ 52 milhões foi rejeitado na semana passada pelos acionistas, em um voto de protesto que não tem caráter obrigatório e foi, em grande medida, simbólico.
Zaslav, que recentemente foi visto à beira da quadra em jogos de basquete do New York Knicks, continuará a presidir os ativos mais “glamourosos” e de maior crescimento da WBD após a cisão.
Reverter os negócios da WBD que passam por um declínio de longo prazo – como a CNN e a TNT – será um problema que estará nas mãos do diretor de finanças da WBD e ex-consultor da McKinsey, Gunnar Wiedenfels.
Embora alguns dos problemas da WBD fossem inevitáveis, a empresa os agravou com vários passos em falso, como a decisão de lançar e logo depois abortar um novo serviço de streaming da CNN. Recentemente, a medida foi revivida sob o comando do chefe da CNN, Mark Thompson.
A HBO Max foi lançada aos poucos em todo o mundo, mas depois de inicialmente divulgar uma estratégia para ampliar sua abrangência e concorrer com a Netflix, a equipe da WBD reverteu o curso e anunciou que a prioridade passaria a ser o foco em certos tipos de conteúdo de prestígio.
Em seu memorando desta semana, Zaslav disse à equipe da WBD que o mundo ao redor deles “continua a evoluir rapidamente”, com a tecnologia, o comportamento do consumidor e o cenário da mídia mudando a forma como as histórias são criadas, distribuídas e vivenciadas”.
O acordo da WBD é mais uma das gigantescas fusões do setor de mídia dos EUA a ser sacudida pela movimentação das placas tectônicas embaixo do setor. Começou com a combinação de US$ 350 bilhões entre AOL e Time Warner em 2000, passando pela aquisição de US$ 85 bilhões da Time Warner pela AT&T em 2018 e, em seguida, o acordo entre Warner e a Discovery em 2022.
Diante do estado de desordem do setor de mídia, o desmembramento da WBD pode desencadear novos negócios, segundo executivos da área e de bancos.
A unidade de streaming da WBD poderia ser um alvo atraente para uma gigante da tecnologia ou ser fundida com outro estúdio. “Amazon, Apple, YouTube ou alguma outra poderia entrar agora”, disse uma fonte que trabalha de perto com uma das gigantes tecnológicas.
Jonathan Miller, um executivo veterano do setor, que agora dirige a firma de investimentos Integrated Media, disse que a cisão da WBD abriria a possibilidade de vários outros negócios, como uma possível união entre a unidade de redes de TV da WBD e a nova unidade de TV a cabo da Comcast, a Versant.
Ele acrescentou que os investidores também começariam agora a prestar mais atenção aos negócios de streaming e de TV dos conglomerados de mídia restantes, Disney e Paramount.
Quaisquer transações, no entanto, não teriam como intuito tentar aumentar o volume como antes, mas, sim, direcionar o foco, segundo Miller. “As pessoas estão colocando a casa em ordem”, acrescentou.