Turbulência: Como entender a bagunça que o Universo adora
[Imagem: Gerado por IA/DALL-E]
Desvendando a turbulência
É um fenômeno universal, que se manifesta em uma vasta gama de escalas e sistemas, desde correntes atmosféricas e oceânicas na Terra, até o gás entre as estrelas e galáxias, e até mesmo em motores a jato e no fluxo sanguíneo nas artérias humanas.
Contudo, a turbulência não é simplesmente caótica – na verdade, ela consiste em uma hierarquia de vórtices que interagem e evoluem ao longo do tempo, que podem se organizar em estruturas de grande escala ou produzir padrões de fluxo coerentes.
Mas documentar e compreender essas complexas interações e evoluções não é fácil, ainda que seja essencial, por exemplo, no desenvolvimento dos reatores de fusão nuclear – nos plasmas de fusão nuclear a turbulência desempenha um papel crucial no confinamento da energia térmica e da mistura de partículas de combustível.
Go Yatomi e Motoki Nakata, do Instituto Nacional para Ciência da Fusão, no Japão, estavam interessados justamente na turbulência do plasma.
Ao contrário da turbulência de fluidos simples, a turbulência no plasma envolve a evolução simultânea de múltiplos campos físicos, como densidade, temperatura, campos magnéticos e correntes elétricas. Essas grandezas se entrelaçam, formando um estado em que múltiplos fluxos e vórtices se encontram intrinsecamente interconectados. Compreender e decodificar os mecanismos fundamentais dessa turbulência complexa e multicampo é essencial para o controle e a otimização dos futuros reatores de fusão.
[Imagem: National Institute for Fusion Science]
Turbulência do plasma
Tradicionalmente, os estudos sobre turbulência nos plasmas centram-se na análise das flutuações daquelas grandezas físicas individuais. Um método padrão envolve decompor a turbulência em uma superposição de ondas espacialmente uniformes e, em seguida, examinar a distribuição e a transferência de energia entre escalas. No entanto, essa decomposição baseada em ondas não funciona quando a turbulência forma estruturas de vórtice localizadas, ou quando múltiplas grandezas de campo interagem fortemente.
Yatomi e Nakata criaram então uma nova estrutura analítica que consegue capturar as estruturas localizadas e revelar o comportamento interligado de múltiplos campos flutuantes, de forma unificada e fisicamente significativa.
Para estudar como os vórtices e fluxos emergem, se localizam e interagem na turbulência do plasma, a dupla criou o que eles chamam de “decomposição de valores singulares multicampo”. Essa técnica estende a estrutura matemática da decomposição de valores singulares para múltiplas grandezas físicas, permitindo a decomposição de turbulências complexas em um conjunto de padrões espaciais comuns (ou bases) que capturam flutuações correlacionadas em diferentes campos, como densidade, temperatura e potencial elétrico.
Os dois pesquisadores definiram ainda duas novas métricas baseadas na entropia da informação, um conceito com raízes na mecânica quântica e na teoria da informação quântica. A primeira é a entropia de von Neumann (vNE), que quantifica a complexidade estrutural e a diversidade das flutuações turbulentas. A segunda é a entropia de entrelaçamento (EE), que mede o grau de acoplamento – ou entrelaçamento – entre diferentes estruturas turbulentas, indicando a intensidade com que elas interagem.
Ambas as grandezas são derivadas de uma matriz de densidade construída matematicamente que se assemelha à sua contraparte na teoria quântica, demonstrando uma analogia natural e poderosa entre estados quânticos e sistemas turbulentos.
[Imagem: Jakob Kühnen]
Usos mais amplos
Ao aplicar essas grandezas da teoria da informação a simulações numéricas de um modelo de turbulência de plasma, a dupla identificou uma transição anteriormente negligenciada nos estados de turbulência – uma transição que não pode ser detectada por meio de análises tradicionais baseadas em energia.
Essa transição recém-descoberta reflete uma mudança abrupta nos padrões coletivos dos vórtices que ocorre nos bastidores dos principais fluxos de energia. Essas transições de padrões podem influenciar significativamente a estabilidade do fluxo macroscópico e, portanto, são cruciais para a compreensão dos processos de confinamento e transporte do plasma nos reatores de fusão nuclear.
E a estrutura baseada em entropia desenvolvida pelos dois pesquisadores não se limita à turbulência do plasma. A expectativa é que ela seja aplicável a uma ampla gama de sistemas complexos envolvendo fluxos multiescala e flutuações acopladas em diversas grandezas físicas, como em ciências atmosféricas e oceânicas, redes de tráfego e transporte e sistemas sociais.