Tarifas dos EUA impulsionam avanço de eletroeletrônicos chineses no mercado brasileiro
O mercado brasileiro de eletroeletrônicos passou a atrair atenção renovada dos fabricantes chineses após o aumento de tarifas imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Em meio à intensificação da guerra comercial entre Washington e Pequim, os Estados Unidos adotaram alíquotas de até 140% sobre produtos chineses, com o objetivo de conter a presença asiática no mercado americano e proteger a indústria local. Apesar de parte dessas tarifas ter sido posteriormente reduzida, muitas restrições ainda estão em vigor.
Diante desse cenário, empresas chinesas intensificaram a busca por novos destinos para seus produtos, e o Brasil, com seu potencial de consumo elevado e demanda crescente por tecnologia, passou a ocupar lugar estratégico nas exportações. Economistas e importadores já observam sinais concretos desse movimento, com aumento nas importações de diversos produtos eletroeletrônicos fabricados na China.
Segundo o economista Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (FGV/Ibre), há indícios de desvio de comércio: bens originalmente destinados aos Estados Unidos estão sendo redirecionados ao Brasil. Ele aponta que as importações de produtos como lava-louças e aspiradores de pó chineses cresceram 27% em valor até maio deste ano, na comparação com o mesmo período de 2024. No mesmo intervalo, as compras de secadores de cabelo aumentaram 52%, de ferros de passar 33%, de fornos micro-ondas 40% e de smartphones 18%, de acordo com dados do Icomex/FGV.
Essas taxas de crescimento estão acima da média histórica e, segundo Ribeiro, ajudam a explicar a deflação de 0,86% registrada nos últimos 12 meses até maio no grupo de eletrodomésticos e equipamentos, dentro do IPCA — índice oficial da inflação no Brasil. Esse comportamento de preços contrasta com o observado em outros grupos de bens comercializáveis.
O economista João Carmo, da MCM 4intelligence, também destaca um crescimento expressivo nas importações chinesas de eletrodomésticos, computadores e componentes eletrônicos em abril e maio deste ano, o que, segundo ele, tende a se intensificar diante das barreiras enfrentadas pelas empresas chinesas nos Estados Unidos.
A Associação Brasileira de Importadores (Abimp), que reúne 34 entidades do setor, confirma esse movimento. Em nota, informa que fabricantes da China estão fortalecendo sua presença em mercados da América do Sul, Central, Europa e Sudeste Asiático. A constatação baseia-se em dados de movimentações portuárias e no crescimento da atuação de marcas como Xiaomi, TCL, Hisense e Huawei no Brasil, em segmentos como smartphones, smart TVs e dispositivos conectados.
Esse fortalecimento pôde ser observado na Eletrolar Show, maior feira de eletroeletrônicos do Brasil, realizada na última semana de junho em São Paulo. A participação de empresas chinesas cresceu 15% em relação à edição anterior, sendo esta a edição com o maior número de expositores do país asiático, segundo os organizadores. Carlos Clur, CEO do evento, explicou que o aumento também está relacionado à expansão da feira, que neste ano contou com um novo pavilhão voltado a fornecedores de utilidades domésticas, mobilidade elétrica e autopeças — áreas de destaque para os fabricantes chineses.
Clur vê nas tarifas americanas uma oportunidade para a América Latina: “Na primeira gestão de Trump, os EUA passaram a comprar mais da América Latina. Agora, com novas tarifas, a China também está olhando para cá como mercado importante.”
Fabricantes chinesas presentes na Eletrolar confirmam essa estratégia. Luo Jin, gerente da Guangdong Westa Electrical Appliances & Technology, veio ao Brasil para ampliar vendas diretas após as perdas no mercado norte-americano. Cavey Li, da Hansuo Audio — que fabrica caixas de som — participou pela primeira vez da feira e afirmou que o gosto dos brasileiros por música foi um atrativo. Já Céline Yun Lee, executiva da Iton — produtora de smartwatches e dispositivos semelhantes ao AirTag — afirmou que o potencial do mercado brasileiro motivou a participação na feira e que o tarifaço de Trump acelerou o foco da empresa na América do Sul.
Segundo a apuração do Estadão, empresas de médio porte chinesas buscam vender seus produtos no Brasil por meio de importadores locais, enquanto grandes indústrias estão em busca de parcerias para produção em território nacional.
Procurada, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) afirmou que, até o momento, não identificou mudanças relevantes nos volumes de importação da China. Já a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) não divulgou dados sobre o impacto das importações no setor.