Quinta-feira, 7 de Agosto de 2025

STF encerra julgamento do artigo 19 pela responsabilização das plataformas

O STF concluiu que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é parcialmente inconstitucional. Ao longo de oito horas de negociação nesta quinta-feira, 26, os ministros da Corte chegaram a um consenso e desenharam as regras que vão nortear a Justiça brasileira para julgar casos que envolvem conteúdos de terceiros publicados nas plataformas digitais a partir de então.

“O tribunal não está legislando, mas decidindo dois casos concretos que se puseram perante ele e estamos definindo critérios que vão prevalecer até o momento que o Poder Legislativo, se quando entender por bem, vier a prover acerca dessa matéria. O tribunal não tinha e não tem a opção de ‘nós não vamos julgar esta questão porque não há lei específica ou porque ela é muito complexa ou porque é divisiva dessa sociedade’”, explicou o ministro do STF e presidente da Corte Luís Roberto Barroso.

Para o ministro, a inconstitucionalidade parcial não está no que o artigo 19 diz, ou seja, ao prever que a remoção de conteúdo depende sempre de ordem judicial, mas sobre aquilo que ele não diz, ou por não prover mais exceções além da “revenge porn” (pornografia de vingança).

De acordo com o texto lido por Dias Toffoli, “isso decorre de uma omissão parcial do artigo, que não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais como a proteção de direitos fundamentais e da democracia.”

As responsabilidades

Enquanto não houver legislação específica, o artigo 19 deve ser interpretado “de forma que os provedores de aplicações de internet estão sujeitos à responsabilização civil”.

Seguem os pontos principais:

– provedor será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos, “sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo aplica-se a mesma regra nos casos de contas denunciadas como inautênticas”.

– nas hipóteses de crime contra a honra, “aplica-se o artigo 19 do MCI sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial”.

– os provedores de redes sociais deverão remover as publicações com conteúdos idênticos para evitar sua propagação.

– em casos de conteúdos ilícitos anunciados ou impulsionados de forma paga, fica estabelecida a presunção de responsabilidade dos provedores e independentemente de notificação. Mas se comprovarem que atuaram a tempo e de forma diligente, poderão ser excluídos dessa responsabilidade.

– em caso de crimes graves, as empresas deverão remover imediatamente conteúdos como: condutas antidemocráticas; crimes de terrorismo; crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou automutilação; incitação à descriminalização em razão de raça, cor, etinia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero, além de condutas homofóbicas e transfóbicas; crimes praticados contra a mulher; crimes sexuais contra vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes; e tráfico de pessoas.

Provedores que não podem ser responsabilizados

O artigo 19 do MCI, só vai se aplicar a provedores de serviços de e-mail; de aplicações cuja finalidade primordial seja a realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz; provedores de serviços de mensagerias instantânea exclusivamente no que diz respeito às comunicações interpessoais resguardadas pelo sigilo das comunicações. Ou seja, eles não podem ser responsabilizados, a não ser por ordem judicial, porque, de acordo com a maioria dos ministros, não existe nenhuma interferência, atuação de moderação de conteúdo sobre o tráfego gerado por essas plataformas.

Marketplaces

Para o STF, os marketplaces deverão responder civilmente, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.

Último voto

Faltava o voto do ministro Kassio Nunes Marques que proferiu pela constitucionalidade do artigo 19 do MCI, deixando o placar em 8 (pela inconstitucionalidade, seja parcial ou total) a 3 pela constitucionalidade.

Deveres adicionais dos provedores

Na conclusão, os ministros também determinaram deveres adicionais aos provedores. Entre eles estão:

– edição de autorregulação que abranja necessariamente sistemas de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência em relação à notificações extrajudiciais de anúncios e impulsionamentos;

– disponibilização a usuários e não usuários de suas plataformas canais de atendimento de fácil acesso;

– presença no país de representante legal cujas informações deverão ser de fácil acesso e deve conferir ao representante Pessoa Jurídica pleno poderes para responder perante esfera administrativa e judicial, além de prestar informações às autoridades, cumprir determinações judiciais e responder e cumprir eventuais penalizações e multas.

“Acho que nós produzimos uma solução bem equilibrada e moderada dentro das circunstâncias de um tema que é divisivo em todo o mundo e nós preservamos na maior extensão possível a liberdade de expressão sem permitir que o mundo deságue num abismo de incivilidade, legitimando discurso de ódio ou crimes indiscriminadamente praticados na rede”, concluiu Luís Roberto Barroso, presidente do STF.

Relembre os casos concretos julgados pelo STF

A discussão no STF surgiu da necessidade de julgar dois casos concretos. Um deles envolvia um perfil falso no Facebook, que, mesmo após notificação privada, a plataforma se recusou a remover o conteúdo ofensivo, interpretando o MCI como exigindo uma ordem judicial para fazê-lo. O outro caso se referia a ofensas a uma professora em uma comunidade do antigo Orkut, onde a plataforma também se negou a remover o conteúdo sem uma ordem judicial prévia.

A partir desses cenários, o Tribunal passou a avaliar os artigos 19 e 21 do MCI. O artigo 21 já previa uma exceção para remoção por notificação privada em casos de “revenge porn”. A principal questão, contudo, recaía sobre o artigo 19, que, na sua interpretação original, exigia uma ordem judicial para a remoção de conteúdo ilícito, gerando um debate sobre sua constitucionalidade.

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