Sob pressão do setor, governo corre contra o tempo para garantir leilão de energia em 2025
Após cancelar o leilão para contratar uma “reserva” para o sistema de energia do país, inicialmente previsto para junho, o governo corre contra o tempo para realizar o certame ainda no último trimestre deste ano.
Em meio à pressa do Ministério de Minas e Energia (MME), há uma disputa entre diferentes agentes do setor elétrico.
A licitação foi cancelada no início deste mês por conta da alta judicialização em função das regras definidas para a contratação de energia. O primeiro passo a ser dado é a consulta pública para coletar percepções do setor, que deve ser publicada nas próximas semanas pelo MME. A pasta estuda encurtar o prazo dos 30 dias habituais para 15 dias.
Além da agilidade, o governo também estuda medidas para mitigar o risco de novas disputas judiciais, já que houve um embate entre agentes dos segmentos de termelétricas a biodiesel e a gás em torno das regras do leilão.
Para evitar os mesmos problemas, são estudadas mudanças nas regras. A princípio, o leilão previa a contratação de termelétricas, com as fontes gás natural e biocombustível competindo entre si. A ideia avaliada pela pasta é separar esses lotes do leilão, para evitar disputas entre os dois setores.
O governo também considera a realização de dois leilões distintos, ambos ainda neste ano. A previsão é de que haja um atraso de, no mínimo, três meses em relação ao prazo original, que era junho.
Como pano de fundo da corrida contra o tempo do governo para lançar o leilão, agentes do setor de energia disputam a influência que podem exercer na definição das novas regras. A única convergência entre os players do mercado é o desejo de que a contratação da reserva de capacidade de energia ocorra ainda neste ano.
Por que o leilão é necessário?
Os leilões de reserva são realizados para aumentar a confiabilidade do sistema elétrico. Relatórios da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontam que a expansão da participação de geradoras com fontes intermitentes (cuja geração não é constante), como eólica e solar, amplia a necessidade da contratação de usinas de “reserva”, como as termelétricas.
Atualmente as eólicas e solares respondem por mais de 30% da energia consumida no país. No entanto, as usinas desse tipo não têm controle sobre o acionamento de sua operação. Com isso, a sua contribuição ao Sistema Interligado Nacional (SIN) cai ao entardecer do dia, justamente no horário de pico de consumo de energia da população.
Disputas entre segmentos
Entre as regras questionadas na Justiça, a principal disputa girou em torno do “fator A”, um critério de contratação que considera a flexibilidade das termelétricas. Em resumo, esse fator avalia o tempo de entrada e saída de operação das usinas e os custos decorrentes disso.
O presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas, Xisto Vieira, afirma que a decisão de adiar o leilão é ruim para o setor, mas avalia que a correção de rota foi necessária. Segundo ele, o “fator A” deve ser mantido, mas com alterações que permitam uma competição saudável entre as térmicas movidas a gás e biodiesel.
— Os dois são necessários, e extremamente necessários. Você precisa muito de térmicas de partida ultrarrápida e precisa muito de térmicas de partida rápida, mas com um despacho que pode ser prolongado por muito tempo. Então, isso aqui é simplesmente uma questão de ajuste nos fatores do leilão, o que não é muito difícil de fazer — comentou o presidente da Abraget.
Dúvidas sobre biodiesel
Por outro lado, há uma preocupação em relação à capacidade de abastecimento de biodiesel que o mercado brasileiro pode prover para a demanda criada com o leilão de energia. No ano passado, a produção de biodiesel (8,98 bilhões de litros) ficou muito próxima do consumo do setor (8,93 bilhões de litros), segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).
O presidente da Abicom, Sérgio Araújo, alerta para o impacto direto que o leilão pode gerar no preço do diesel na bomba, principalmente diante da proibição de importação de biodiesel no Brasil.
— Temos aí pelo menos mais 180 dias para a avaliação de um grupo de trabalho formado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sobre a importação. Então, acho que não é oportuno incluir geração com biocombustíveis neste momento. Caso a importação seja aprovada, devemos discutir o assunto novamente e avaliar a viabilidade — explicou.
A preocupação com o impacto no mercado de diesel é compartilhada pelo diretor de energia elétrica da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Victor Hugo Iocca.
— O setor de biocombustível precisa garantir que terá capacidade de entregar o combustível e os insumos no momento em que forem exigidos. É necessário que o governo estude qual poderia ser a demanda máxima a ser contratada para garantir a segurança desse mercado — disse o diretor da Abrace.
O pleito entre as usinas hidrelétricas, no entanto, é outro. A preocupação em relação à realização do leilão ainda neste ano é a mesma compartilhada pelos demais agentes. Sem disputa entre usinas do mesmo setor, a presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), Marisete Pereira, aponta que o novo leilão deveria contemplar mais um produto para contratação de hidrelétricas.
— Este leilão tinha oito ou nove produtos térmicos e um produto hidrelétrico para começar em 2030. Então, o que nós pedimos? Como os projetos das usinas hidrelétricas já estão bastante adiantados, com contratação de equipamentos e indústria pronta para fornecer, acho que poderíamos ter outro produto em 2029.
Enquanto isso, Markus Vlasits, porta-voz da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae), critica a contratação de termelétricas para atender à demanda de reserva de capacidade.
Para ele, o governo deveria aumentar a geração de energia com sistemas de armazenamento por bateria, que possibilitam maior flexibilidade a fontes intermitentes, como eólica e solar:
— O correto seria contratar termelétricas resilientes, de curta duração, para atender ao problema de 2026 e 2027, e fazer a contratação em paralelo de sistemas de armazenamento para realmente atender ao quesito de flexibilidade. O custo global é dramaticamente inferior ao das termelétricas. Não queimamos combustíveis, não precisamos ligar as usinas por “x” horas antes.