Senado do México aprova nova Lei de Telecomunicações
O Senado da República Mexicana aprovou em 29 de junho a nova Lei de Telecomunicações e Radiodifusão, que substituirá a legislação em vigor desde 2014. O projeto de lei, apoiado pelo governo da presidente Claudia Sheinbaum, recebeu 77 votos favoráveis e 30 contrários, e segue agora para revisão na Câmara dos Deputados.
A proposta foi modificada após cinco audiências legislativas com participação de 89 especialistas dos setores público, privado e acadêmico. Entre as mudanças mais relevantes estão a eliminação do artigo que permitia o bloqueio de plataformas digitais e a criação de um novo órgão regulador com estrutura colegiada.
A nova legislação busca digitalizar os trâmites regulatórios, reduzir sobreposições institucionais e promover maior coordenação entre órgãos. Está alinhada à estratégia nacional de atração de investimentos e nearshoring [estratégia empresarial que envolve a transferência de operações ou atividades para países geograficamente próximos, em vez de locais mais distantes, como no caso do offshoring], sendo considerada essencial para viabilizar o avanço da infraestrutura de conectividade no país.
Criação da Comissão Reguladora de Telecomunicações
A nova Comissão Reguladora de Telecomunicações (CRT) será um órgão autônomo em termos técnicos, operacionais e administrativos, substituindo o Instituto Federal de Telecomunicações (IFT) em funções-chave como gestão do espectro, concessões, regulação de internet, radiodifusão e satélites, além da fiscalização do setor.
Composta por cinco comissários indicados pelo Executivo e ratificados pelo Senado, com mandatos únicos de sete anos, a CRT terá seu Pleno como instância máxima decisória.
Embora não possua autonomia constitucional como o IFT, a CRT foi desenhada para evitar a centralização de poder criticada na proposta inicial que previa a criação da Agência de Transformação Digital e Telecomunicações (ATDT).
O texto final da lei restabelece mecanismos de controle institucional e garante à CRT ferramentas regulatórias como aplicação de sanções, definição de tarifas de interconexão, emissão de normas técnicas e realização de licitações de espectro. A nova comissão também atuará nas áreas de acessibilidade, inclusão digital e defesa dos direitos das audiências.
Nova autoridade antitruste no setor
Além da CRT e da ATDT, a nova lei prevê a criação da Comissão Nacional Antimonopólio (CNA), vinculada à Secretaria de Economia. O órgão substituirá a extinta Cofece e terá poder para investigar e punir práticas anticompetitivas, regular a concentração de espectro e a propriedade cruzada de meios de comunicação.
A CNA também poderá determinar a alienação de ativos para preservar a concorrência — atribuição anteriormente do IFT. Será composta por cinco comissários, sendo o presidente nomeado pelo Executivo.
Sem censura explícita, mas com monitoramento
O polêmico artigo 109, que autorizava o bloqueio temporário de plataformas digitais, foi retirado da nova lei. Também foram revistas as atribuições da ATDT sobre conteúdos e fiscalização de mídias. No entanto, a CRT manterá a prerrogativa de suspender preventivamente anúncios estrangeiros que violem normas locais, mediante aviso prévio.
Outro ponto sensível, o artigo 183, obriga operadoras e concessionárias a colaborar com a geolocalização em tempo real de dispositivos móveis — exigência já prevista na legislação de 2014 e que depende de ordem judicial conforme o Código Nacional de Procedimentos Penais.
Entidades como a Red de Defensa de los Derechos Digitales (R3D) alertaram que a nova lei exigirá a vinculação das linhas móveis a um registro de CURP (documento de identidade nacional), sob pena de cancelamento do serviço. Essas informações poderão ser acessadas por autoridades, conforme previsto em legislações de segurança e inteligência.
Participação estatal e neutralidade competitiva
A nova lei reconhece o Estado como provedor de serviços de conectividade em igualdade de condições com o setor privado. A Comissão Federal de Eletricidade (CFE) poderá operar redes em áreas remotas via concessão ou prestação direta, utilizando espectro condicionado ao cumprimento de metas de cobertura. Não há menção direta a parcerias com a Altán Redes.
O Instituto de Administração e Avaliação de Bens Nacionais (INDAABIN) poderá autorizar o uso de bens federais — como torres, direitos de passagem e infraestrutura — para instalação de redes, com base em critérios técnicos, sociais e econômicos definidos pelo Executivo.
As concessões de uso social, comunitário, indígena e afromexicano terão custos reduzidos, poderão comercializar até 3% do tempo com publicidade local e acessar recursos públicos de comunicação social. Operadores comunitários também poderão ter isenção ou descontos no pagamento pelo uso de espectro, especialmente em áreas rurais.
Medidas para ampliar inclusão e acessibilidade
A nova lei determina que operadoras entreguem aparelhos desbloqueados e aceitem recargas de qualquer fornecedor. Serviços de emergência deverão ser gratuitos, e chips só poderão ser ativados mediante apresentação de documento oficial de identidade.
Prevê-se ainda que portais e aplicativos públicos sejam acessíveis para pessoas com deficiência, e que mulheres e meninas tenham assegurado o direito à conectividade em condições de igualdade.
Em áreas urbanas, será possível testar novos modelos tecnológicos por meio de um sandbox regulatório. Está previsto ainda um processo gradual de soterramento de cabos e organização da infraestrutura urbana de telecom.
Especialistas da sociedade civil, como a ONG Observatel, alertam para riscos de conflitos de interesse, dada a ausência de separação jurídica, orçamentária e funcional entre o Estado regulador e operador, apesar da menção à neutralidade competitiva no texto legal.
Um dos avanços destacados é a extinção do Registro Nacional de Usuários de Telefonia Móvel, substituído por um sistema de identificação no momento da aquisição do chip, sem armazenamento centralizado.
Próximos passos
A nova Lei de Telecomunicações do México ainda precisa ser aprovada pela Câmara dos Deputados. Caso passe sem alterações, será publicada no Diário Oficial da Federação e entrará em vigor. A partir daí, será iniciado o processo de formação do Pleno da CRT e a emissão da regulação secundária.
A extinção formal do IFT ocorrerá após a sanção e publicação da nova lei, marcando o início da transição institucional e redistribuição de funções entre as novas autoridades do setor.