Quarta-feira, 15 de Outubro de 2025

Relator dos casos Claro e Oi, Freire exalta consensualidade no fim das concessões

A Anatel aprovou nesta segunda, 13, o último grande processo de migração do regime de concessão para a autorização de STFC, referente à operadora Claro. É um marco na história regulatória da agência, e que só se viabilizou porque os processos, invariavelmente, passaram por uma construção negocial no modelo de consenso, seja por meio de uma pactuação do Tribunal de Contas da União, seja com a Advocacia Geral da União.

O incentivo para que a migração de regime ocorresse, conforme a Lei 14.879/2019, dependia de um trabalho de aparar arestas do passado e construir entendimentos comuns. Do contrário, as operadoras poderiam optar por não migrar, as concessões terminariam ao final do ano, a Anatel teria que buscar outras formas de assegurar o atendimento dos serviços públicos e muito possivelmente boa parte dos debates pacificados agora, como bens reversíveis e desequilíbrios em relação à sustentabilidade das concessões, seriam objeto de longas disputas judiciais.

O relator da última migração foi o conselheiro Alexandre Freire, que desde os primeiros momentos na agência tem advogado em favor da tese de que o melhor caminho era a busca da consensualidade na Administração Pública. A este respeito, Freire publicou artigos sobre o tema, inclusive em coautoria com ministros do TCU. Outro processo que passou pelo seu gabinete para relatoria foi o da Oi.

TELETIME – Como você enxerga o fenômeno da consensualidade e o papel que ele assume hoje na regulação conduzida pela Anatel?

Alexandre Freire – A consensualidade deixou de ser apenas uma opção procedimental para se tornar, hoje, um caminho inevitável. Em questões de elevada complexidade, que envolvem grandes interesses econômicos, impacto social e disputas jurídicas de difícil solução, o litígio prolongado apenas posterga respostas, gera insegurança e consome energia institucional. O consenso, ao contrário, abre portas para a construção de soluções duradouras, legítimas e socialmente benéficas.

O que a Anatel realizou na adaptação da Oi e, mais recentemente, da Claro, é a melhor expressão dessa lógica: transformamos passivos regulatórios e judiciais em ativos de futuro, convertendo disputas em investimentos, incertezas em estabilidade e obrigações obsoletas em políticas públicas de conectividade e inclusão digital. Em vez de prolongar controvérsias, inauguramos um novo ciclo, no qual o diálogo estruturado e a cooperação interinstitucional se mostraram mais eficazes do que qualquer sentença ou decisão unilateral.

A consensualidade, portanto, não significa renúncia ao rigor técnico ou às prerrogativas do Estado. Pelo contrário: ela é a demonstração de maturidade de um regulador que sabe exercer sua autoridade não apenas impondo, mas também articulando, mediando e construindo caminhos compartilhados. É, em essência, a tradução prática de uma regulação moderna, que se orienta menos pelo conflito e mais pela capacidade de gerar resultados concretos para a sociedade.

Em meu entendimento, essa experiência projeta um novo paradigma de governança pública. Em um mundo cada vez mais interdependente, no qual os problemas não se resolvem de forma isolada, a consensualidade se impõe como condição de governabilidade. Mais do que um método de solução de controvérsias, ela é uma estratégia de Estado, capaz de garantir estabilidade, induzir investimentos e reafirmar o interesse público como horizonte comum.

Quais as principais contrapartidas negociadas na consensualidade da Claro e como fica a disputa arbitral aberta?

As contrapartidas pactuadas concentram-se, de um lado, na manutenção de serviços essenciais de voz e, de outro, em investimentos estruturantes de infraestrutura de telecomunicações. Assim, assegura-se a continuidade da gratuidade de Telefones de Uso Público (TUPs) em 1.772 localidades até dezembro de 2025, com preservação dessa obrigação até 2028 em 1.713 localidades — podendo ser substituída, mediante aprovação da Anatel, por terminais de acesso coletivo com funcionalidade de voz, disponíveis 24 horas por dia.

Além disso, foram estabelecidos compromissos de investimento voltados à expansão e modernização da rede: implantação de backhaul óptico em 44 localidades prioritárias (com 13 reservas), instalação de 271 novas estações de cobertura 4G em áreas desatendidas e trechos de rodovias federais, bem como a construção de rotas de redundância em fibra óptica, incluindo a travessia subfluvial do rio Solimões, em Manaus. Importa ressaltar que a distribuição dos investimentos privilegia as Regiões Norte e Nordeste, em consonância com o princípio da redução das assimetrias regionais.

Quanto à disputa arbitral instaurada na Câmara de Comércio Internacional (CCI), esta não foi incluída no termo ora celebrado. O atual ciclo de conciliação limitou-se à adaptação contratual e à extinção de litígios diretamente vinculados à execução das concessões. A arbitragem seguirá em fase posterior, a ser tratada em um segundo ciclo, que poderá também englobar outras controvérsias judiciais ainda pendentes.

Com a aprovação da migração da concessão da Claro, qual a avaliação desse processo?

A adaptação da concessão da Claro para o regime de autorização simboliza o encerramento de um ciclo histórico. Com ela, somam-se quatro grandes acordos — Oi, Telefônica, Algar e Claro — restando apenas a Sercomtel em fase final de negociação. Mais do que uma mudança contratual, trata-se da consolidação de uma transição regulatória: o fim do modelo de concessão do STFC e a afirmação de um regime de incentivos, orientado pela eficiência e pela conectividade.

Esse processo representa um marco de maturidade institucional. A Anatel converteu um passivo regulatório e judicial, acumulado ao longo de mais de duas décadas, em um programa robusto de investimentos em redes e infraestrutura digital. Com isso, substituíram-se obrigações anacrônicas, próprias de um cenário tecnológico já superado, por compromissos de conectividade alinhados às demandas contemporâneas da sociedade.

Do ponto de vista simbólico, o encerramento desse ciclo projeta a imagem de um Estado regulador mais maduro, capaz de unir rigor técnico, segurança jurídica e pragmatismo econômico. Ao inaugurar uma regulação baseada em consensos, resultados mensuráveis e cooperação interinstitucional, a Anatel reafirma seu papel como mediadora de soluções que fortalecem a eficiência, a competitividade e a transformação digital do setor.

Qual a diferença entre o acordo da Claro e os anteriores firmados com o TCU?

A essência manteve-se inalterada: transformar litígios em benefícios concretos à sociedade por meio de consensualidade regulatória. Contudo, a principal diferença está no arranjo institucional de controle jurídico.

Nos primeiros acordos (Oi, Telefônica e Algar), o Tribunal de Contas da União atuava como instância de controle externo, avaliando a posteriori a vantajosidade e a legalidade das soluções pactuadas. Já no caso da Claro, o processo foi conduzido sob mediação direta da Advocacia-Geral da União, por intermédio da CCAF, o que permitiu um controle jurídico preventivo e colaborativo, exercido dentro do próprio Executivo.

Assim, enquanto o TCU desempenhava um papel fiscalizador e de chancela posterior, a AGU inaugurou um modelo de governança cooperativa intraestatal, garantindo que legalidade, eficiência e vantajosidade fossem aferidas desde a fase de negociação. Em suma, o acordo da Claro reafirma a lógica da conciliação, mas introduz a inovação de um controle simultâneo e dialógico, reforçando a segurança institucional do processo.

Qual a importância do modelo consensual no encerramento das concessões?

O modelo de consenso revelou-se condição indispensável para encerrar o regime de concessão do STFC em bases juridicamente seguras e socialmente vantajosas. Diante de um quadro marcado por litígios complexos — envolvendo bens reversíveis, sustentabilidade econômico-financeira e efeitos da adaptação — dificilmente seria possível alcançar uma solução definitiva sem um espaço estruturado de mediação.

O risco de perpetuação de concessões onerosas e tecnologicamente defasadas era real. A pactuação, entretanto, converteu esse impasse em uma transição ordenada: transformou obrigações obsoletas em investimentos produtivos, solucionou disputas sobre bens reversíveis com critérios objetivos e reduziu significativamente o risco de judicialização futura.

Esse modelo trouxe segurança jurídica tanto para a Agência, que contou com a robustez institucional de AGU, TCU e Ministério das Comunicações, quanto para as prestadoras, que obtiveram previsibilidade e estabilidade regulatória. Assim, o consenso não foi apenas um procedimento, mas um verdadeiro instrumento de reequilíbrio regulatório e de garantia de interesse público.

Que caminhos esse modelo aponta para futuros processos da Anatel?

O processo deixa como legado um novo paradigma de governança regulatória. Mais do que resolver litígios, demonstrou que a autocomposição pode ser usada como ferramenta de política pública, direcionando recursos a finalidades estratégicas de inclusão e modernização da infraestrutura.

A experiência também consolidou um modelo de governança interinstitucional pautado em cooperação e transparência, substituindo a lógica fragmentada por uma dinâmica dialógica e coordenada. Mostrou ainda que consenso não é sinônimo de flexibilização, mas sim de decisão rigorosa, transparente e legitimada institucionalmente.

Em termos culturais, fortaleceu a imagem da Anatel como um regulador moderno, responsivo e cooperativo, alinhado às melhores práticas internacionais de better regulation. O principal legado, portanto, é a institucionalização de um método baseado em diálogo, evidências e corresponsabilidade, aplicável a outros processos de elevada complexidade regulatória.

Como a Anatel usou as pactuações para induzir novas agendas?

O acordo com a Oi exemplifica como a conciliação pode induzir novas agendas regulatórias. Nele, a Anatel incorporou, de maneira inédita, compromissos voltados à sustentabilidade ambiental e à eficiência energética, orientando investimentos para soluções tecnológicas de menor impacto, racionalização de recursos e reaproveitamento de ativos.

Esse modelo não apenas resolveu passivos, mas gerou externalidades positivas, vinculando a transição contratual a uma agenda de modernização digital e ambientalmente responsável. Ainda que o acordo da Claro não tenha incluído cláusulas ambientais explícitas, ele herdou a mesma lógica de sustentabilidade social e territorial, reforçando que o consenso pode também servir de vetor para políticas públicas mais amplas.

Assim, a experiência demonstrou que a resolução consensual de litígios não se limita a encerrar disputas: pode transformar-se em instrumento de indução a práticas mais responsáveis e alinhadas à transição digital e verde, fortalecendo a dimensão pública da regulação.

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