Reciclagem de plástico só avança com incentivo fiscal, afirma setor
O Brasil tem um ótimo índice de reciclagem de embalagens de defensivos agrícolas: 97% do material é coletado e direcionado corretamente, resultado de uma lei que determinou a logística reversa dos envases. No caso das embalagens plásticas em geral, o reprocessamento é de 24,3%, o que mostra que o caminho ainda é longo para o país se livrar desse tipo de poluição. Os dados são do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV) e da Pesquisa PICPlast, respectivamente.
Os pontos finais dessa cadeia são conhecidos. Estudo publicado na revista científica “Plos One” calculou em 171 trilhões as partículas plásticas sujando os oceanos no início desta década, número que cresceu mais de dez vezes em 15 anos. Mas não só. Diferentes estudos também encontraram microplásticos até em órgãos e tecidos humanos.
Para enfrentar o que é um dos maiores problemas ambientais, a saída para o setor é apostar em inovação, rastreabilidade e na economia circular. O caminho, porém, é marcado por obstáculos comerciais e regulatórios. “Estamos no meio de um tratado global para discutir a poluição plástica. O desafio é continuar convivendo com o plástico como solução sem ampliar a poluição. A resposta está na circularidade”, diz Paulo Henrique Rangel Teixeira, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast).
Em comparação com o alumínio, por exemplo, há um enorme caminho a ser percorrido. O Brasil recicla o equivalente a praticamente 100% das latinhas, resultado do maior valor do material.
A reciclagem é uma das características da economia circular, modelo que começa no “redesenho” das embalagens. O objetivo é que elas possam ser recicladas, reutilizadas e que o reenvase seja possível. O design circular considera todo o ciclo de vida do produto, desde a matéria-prima até o pós-consumo. Uma embalagem colorida ou composta por mais de um tipo de resina plástica, por exemplo, pode inviabilizar seu reaproveitamento. “Se eu misturo materiais como PET e polipropileno, a reciclabilidade diminui. Em algum momento, isso precisa ser separado. Isso aumenta o custo e dificulta o processo”, diz o presidente-executivo da Abiplast.
O grande entrave, no entanto, continua sendo econômico. Mesmo que o material reciclado tenha o mesmo custo do propileno virgem, a concorrência não ocorre em condições de igualdade, afirma o executivo. O produto original é vendido por grandes petroquímicas, que têm logística e assistência técnica com as quais nenhuma recicladora se compara em escala e estrutura.
Outro problema apontado pelo setor é a falta de incentivo fiscal. “O nosso modelo de produção é circular, mas o sistema tributário ainda é linear. Quando eu compro resíduo reciclado, não tenho crédito tributário. Isso encarece o produto. Enquanto isso, o plástico virgem tem incentivos fiscais que o tornam ainda mais barato”, diz Teixeira. Pedro Côrtes, professor do programa de pós-graduação em ciência ambiental da USP, reforça que o setor necessita de um empurrão. “É preciso ter um incentivo à certificação e à rastreabilidade, como a redução de algum imposto, para que isso seja mais amplamente utilizado no mercado”, afirma.
Para o setor, a saída está no compartilhamento de responsabilidades. A Lei Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, já prevê as ferramentas necessárias para que os produtos possam passar pela logística reversa, mas a divisão do ônus desse processo nunca foi, de fato, implantada. O presidente-executivo da Abiplast afirma que a chave para mudar esse quadro pode estar na outra ponta. “O que vai mudar o patamar é a obrigatoriedade de conteúdo reciclado nas embalagens, como já acontece na Europa. Hoje, a decisão do cliente é baseada em preço, não em reputação. Mas, quando houver exigência legal, isso muda.”
Apesar das dificuldades, o setor vê avanços. “Estamos investindo cerca de R$ 10 bilhões por ano, e uma parte significativa disso já é voltada para negócios circulares. O setor está pronto. O que falta é a sinalização do governo. Sem segurança jurídica, o investimento fica no tradicional”, diz Teixeira.
Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.