Quarta-feira, 6 de Agosto de 2025

Mendonça abre divergência e vota pela responsabilização das redes apenas em caso de descumprimento de decisão judicial

Os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso já haviam se posicionado de forma contrária à exigência prévia de notificação judicial para a retirada de conteúdos ofensivos já publicados

Em voto com leitura que durou duas sessões, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça divergiu de outros três votos de seus colegas na análise de dois recursos que questionam regras do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). O julgamento foi retomado nesta quinta-feira (5) no plenário do STF. 

Na sessão de quarta, ele já havia sinalizado que deveria votar pela manutenção da validade do artigo 19 do Marco Civil, que prevê a responsabilização das plataformas somente em caso de descumprimento de decisões judiciais. 

— No que concerne à remoção de conteúdo, entendo que, à luz das balizas constitucionalmente estabelecidas, o dispositivo é, em tese, constitucional —  afirmou nesta quinta.

Mendonça destacou que as plataformas digitais têm legitimidade para pleitear, em nome próprio, a tutela jurisdicional necessária e a preservação da livre manifestação dos seus usuários.

— As plataformas digitais não podem ser responsabilizadas diretamente pela ausência da remoção de conteúdo veiculado por terceiros, ainda que posteriormente venha o Judiciário a determinar a necessidade dessa remoção — observou Mendonça, excluindo dispositivos já mencionados em legislação, que envolvam interesses de crianças e adolescentes com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo.

Depois de ser suspenso em dezembro de 2024 em razão do pedido de vista de Mendonça, o julgamento recomeçou na quarta-feira (4) no STF com a leitura do voto do ministro. 

Nesta quinta, no início da análise do mérito, Mendonça retomou o voto falando sobre provedores de aplicação da internet: 

— Por um lado, reconhecem a necessidade de se promover adaptações no paradigma jurídico-dogmático sobre o qual se alicerça a liberdade de expressão e, por outro, apontam para a igual necessidade de preservação do núcleo fundamental e da posição preferencial que ostenta a liberdade fundamental de expressão e manifestação do pensamento — disse Mendonça.

O ministro também buscou apresentar números a respeito de remoção espontânea por parte das plataformas:

— Colho do relatório recentemente divulgado pela empresa Meta, que possui como sócias Facebook, Instagram e Threads, que entre 1º de agosto e 31 de outubro de 2024 foram removidos mais de 2,9 milhões de conteúdos dessas empresas no Brasil, e foram por violação de suas políticas internas estabelecidas quanto a bullying e assédio, também quanto a discursos de ódio e a violência — detalhou Mendonça.

Apesar da divergência, André Mendonça destacou que é preciso interpretar o artigo 19 de acordo com a Constituição. Por exemplo, de acordo com o ministro, é inconstitucional a remoção ou suspensão de perfis de usuários, exceto quando comprovadamente falsos, com atividade ilícita. 

Além disso, o ministro disse que as plataformas têm o dever de promover a identificação do usuário violador do direito de terceiro, e que não é possível responsabilizar diretamente a plataforma sem prévia decisão judicial quando se está diante de ilícito de opinião.

Ainda não há data para que o julgamento seja retomado. A próxima sessão será na quarta-feira (11), mas a pauta será divulgada por Barroso posteriormente. Outros sete juízes ainda precisam votar.

O julgamento foi retomado nesta quinta-feira (5) no plenário do STF.Gustavo Moreno / STF / Divulgação

Os recursos

O Supremo julga de forma conjunta dois recursos extraordinários, com repercussão geral, que debatem a validade e a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A legislação, aprovada em 2014, estabeleceu os principais direitos e deveres acerca do uso da internet no Brasil.

O artigo 19 da legislação estabelece que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

No recurso que tem como relator o ministro Dias Toffoli, o STF analisa a validade da regra que exige ordem judicial prévia para responsabilização dos provedores por atos ilícitos. O autor do recurso foi o Facebook, que buscava derrubar uma decisão judicial anterior que condenou a plataforma por danos morais pela criação de perfil falso de um usuário.

No outro recurso, que tem como relator o ministro Luiz Fux, o STF analisa se uma empresa que hospeda um site na internet deve fiscalizar conteúdos ofensivos e retirá-los do ar de forma prévia à intervenção judicial. O recurso foi protocolado pelo Google.

Como foi a sessão de quarta-feira

Na quarta-feira (4), o julgamento teve início com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, fazendo algumas considerações e relembrando como já votaram ele mesmo e os outros ministros.

Após, o ministro Dias Toffoli relembrou que, em seu voto, afirmou que “é inconstitucional” o artigo 19 do Marco Civil, que estabelece que as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros caso elas deixem de cumprir uma ordem judicial de remoção:

— Qual é o momento do início da responsabilidade civil do dano causado? Da forma como está hoje o artigo 19, essa responsabilidade só surge se descumprida a decisão judicial. Não se trata de censura ou liberdade de expressão, porque ninguém diz que a responsabilidade é possível. Não estamos tratando de censura, estamos a tratar o momento que surge a responsabilização — argumentou Toffoli.

Após a fala do colega, Mendonça deu início à leitura de seu voto e avisou que faria “uma leitura detida” e que provavelmente utilizaria todo o tempo da sessão desta quarta e possivelmente parte da sessão de quinta-feira.

Em tópico no qual abordou a liberdade de expressão, Mendonça afirmou que “não se deve negligenciar o aspecto central que esse direito fundamental ostenta na própria fundação das sociedades democráticas ocidentais”.

— Não se pode olvidar que, mais do que um direito individual, a liberdade de expressão tem uma dimensão coletiva, tendo em vista que a sua conservação aproveita não apenas a pessoa individualmente considerada, mas toda a sociedade que tem pelo canal da livre manifestação de ideias e pensamentos — argumentou.

Mendonça destacou também que os usuários das redes sociais não seriam “vítimas indefesas das manipulações promovidas pelos algoritmos desses provedores de conexão e aplicativos”, já que as plataformas mapeiam as preferências de cada um para “potencializar o engajamento”:

— É preciso atentar para o fato de que, na realidade, elas o fazem a partir da identificação de predileções e predisposições que já manifestamos previamente. Não se trata de incutir novos pensamentos, crenças e opiniões, ou também de alterar aquelas já existentes. Antes, opera-se com a identificação e o reforço das compreensões que cada qual já carrega.

Como já votaram outros ministros

• Dias Toffoli: afirmou ser inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil. Toffoli defendeu que, em casos de conteúdos ofensivos ou ilícitos, as plataformas digitais devem fazer a remoção a partir do momento que forem notificadas de forma extrajudicial, pela vítima ou seu advogado, sem necessidade de ordem judicial. 
• Luiz Fux: votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, pois o dispositivo daria uma espécie de “imunidade civil” às empresas. Fux propôs que as empresas sejam obrigadas a remover conteúdos ofensivos à honra ou à imagem e à privacidade que caracterizem crimes (injúria, calúnia e difamação) assim que notificadas, e o material só poderia ser republicado, posteriormente, com autorização judicial.
• Luís Roberto Barroso: votou pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19. Para ele, as redes devem retirar postagens com conteúdo envolvendo pornografia infantil, suicídio, tráfico de pessoas, terrorismo e ataques à democracia e ao Estado Democrático de Direito. Pela deliberação de Barroso, a retirada deve ser tomada após as empresas serem notificadas pelos envolvidos.

 

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