Lixo Zero não é utopia, é inteligência coletiva em ação
O lixo é, talvez, o mais democrático dos problemas urbanos. Todos produzem. Quase ninguém quer encarar. Mas, em meio à abundância do desperdício, há quem transforme descarte em proposta de futuro.
Durante o festival Mais Gastronomia em São José dos Campos, o Instituto Lixo Zero promove uma ação que vai além da coleta seletiva: convida a cidade a refletir sobre o que é lixo, porque geramos tanto, e o que podemos fazer diferente.
No Brasil, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos da ABRELPE (2022), foram geradas mais de 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, o equivalente a 1,07 kg por habitante/dia.
Desse total, quase metade ainda tem como destino lixões ou aterros precários — uma prática fora da lei desde 2014, mas ainda vigente em mais de 2.400 municípios.
O problema vai além da destinação: está na mistura que impede a transformação. Como reforça o Instituto Lixo Zero, na voz de Leo Magno, que iniciou o movimento em São José dos Campos em 2014: “lixo é mistura, resíduo é recurso”.
Quando separamos corretamente, transformamos descarte em valor: adubo, energia, emprego, renda. “É matéria-prima que gera emprego, gera acima de tudo equidade ambiental, social e econômica”.
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010) já estabelecia a hierarquia de gestão, com prioridade para não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento, deixando a disposição final como última alternativa.
Mas, na prática, o Brasil recicla apenas 4% de seus resíduos sólidos urbanos, segundo o IBGE (2023). E quando se trata de resíduos orgânicos, que representam até 50% do lixo urbano, o índice de compostagem não chega a 2%.
É nesse contexto que o conceito Lixo Zero se impõe. Nascido nos anos 1970 na Europa e difundido no Brasil a partir de 2010 em Florianópolis, o movimento propõe reduzir ao máximo o envio de resíduos aos aterros sanitários. A métrica internacional é clara: 90% de desvio de aterro.
Isso significa que apenas 10% de tudo o que geramos deveria, de fato, não ter outro destino possível. O restante — orgânicos, recicláveis secos, materiais reaproveitáveis — pode e deve ser reencaminhado de forma inteligente.
Em São José dos Campos, a ação do Instituto Lixo Zero durante o festival Mais Gastronomia segue essa lógica. Todos os resíduos são segregados na fonte em três frações mínimas:
Orgânicos compostáveis
Recicláveis secos
Rejeitos
No evento, os orgânicos estão sendo compostados, os recicláveis encaminhados à cooperativa, e apenas os rejeitos vão ao aterro. Não se trata de um evento 100% lixo zero, mas de um evento que caminha conscientemente para isso. E esse caminho é o mais importante agora.
Fundado oficialmente em 2024 como associação sem fins econômicos, o Instituto Lixo Zero São José dos Campos e Vale do Paraíba atua há mais de uma década promovendo capacitações, palestras, semanas temáticas e articulação com o poder público.
A profissionalização recente da iniciativa amplia seu impacto e abre espaço para uma política pública de resíduos realmente eficaz.
O que isso tem a ver com ESG?
Tudo.
Ambiental, porque reduz emissões de gases de efeito estufa e evita a contaminação do solo e da água.
Social, porque fortalece cooperativas, gera renda e insere comunidades vulneráveis na cadeia produtiva.
Governança, porque estimula planejamento urbano, transparência na gestão de resíduos e corresponsabilidade entre poder público, setor privado e sociedade civil.
O conceito Lixo Zero nos tira da zona de conforto. Ele mostra que não basta reciclar: é preciso repensar.
Eventos como o Mais Gastronomia oferecem um palco simbólico: enquanto saboreamos o que é servido, precisamos nos perguntar o que sobra depois do banquete? E qual seu melhor destino.
Se sobra consciência, sobra futuro.