Freire: Requisitos para data centers de telecom saem em abril de 2026
A decisão da Anatel de regular o uso que as operadoras fazem de data centers levantou uma série de dúvidas no mercado. A agência elaborou um relatório sobre o tema (veja aqui). O Tele.Síntese conversou com o conselheiro diretor Alexandre Freire, à frente do C-INT, comitê responsável pelo whitepaper. Ele respondeu às perguntas abaixo por escrito, a respeito do tema.
Nas respostas, observa que a agência está finalizando sua proposta de requisitos para homologação destes data centers, garante que haverá separação clara entre o que é dedicado a telecom e ou que é utilizados para outros serviços digitais, e que até abril de 2026 espera ter as regras consolidadas. Confira:
1 – Já está claro para a Anatel quais data centers terão exigência de homologação?
Alexandre Freire – Sim. O escopo abrange os data centers instalados ou contratados que integram a infraestrutura crítica responsável por funções essenciais das redes de telecomunicações. A Agência está conduzindo um levantamento técnico detalhado, cujos resultados serão debatidos no grupo de trabalho criado especificamente para este fim, com a participação de representantes das entidades envolvidas. A partir dessas análises será elaborado o Procedimento Operacional de Avaliação da Conformidade de Data Centers que Integram as Redes de Telecomunicações, que será submetido à consulta pública, garantindo ampla participação da sociedade.
2 – Data centers que hospedem serviços substitutos de telecom (por exemplo, WhatsApp) também serão alvo de homologação?
Freire – O foco inicial recai sobre os data centers que hospedam ou fornecem serviços indispensáveis ao funcionamento das redes das operadoras de telecomunicações. Entretanto, o escopo final do programa ainda será objeto de discussão no grupo de trabalho, permitindo que diferentes visões institucionais e técnicas contribuam para a definição da proposta a ser submetida à consulta pública.
3 – De que forma este white paper vai influenciar as definições futuras da Anatel sobre data centers?
Freire – O whitepaper sobre Data Centers consolida diagnósticos e estudos realizados pela Anatel, no âmbito do Comitê de Infraestrutura (C-INT), e funcionará como referência para os próximos passos da agenda regulatória. Ele servirá de base tanto para eventuais alterações do R-Ciber, quanto para a atualização das instruções do Regulamento de Certificação e Homologação. Mais do que isso, o documento evidencia a centralidade dos data centers para a resiliência e o bom funcionamento das redes de telecomunicações, reforçando os fundamentos que justificam a atuação presente e futura da Agência nesse campo.
4 – É preciso uma nova versão do R-Ciber para que a exigência de homologação seja efetivada? Por ora, a homologação ainda não é exigida?
Freire – Não. A Resolução nº 780/2025 já prevê, em seu artigo 85-B, que os data centers deverão ser avaliados antes do início de sua operação, conforme procedimento operacional a ser publicado pela Anatel. Além disso, o §3º estabelece que os data centers já existentes terão prazo de três anos, contados a partir da entrada em vigor desse procedimento, para se adequar às exigências.
5 – Quando a Agência estima que os requisitos de homologação serão publicados?
Freire – A previsão é que o Procedimento Operacional seja publicado em abril de 2026. O prazo para sua entrada em vigor será definido na própria proposta que será submetida à consulta pública, assegurando transparência e participação social.
6 – Considerando que no setor se fala em diferentes modelos de operação — como “casca”, colocation e infraestrutura subcontratada —, sobre qual stakeholder a regulação deverá recair prioritariamente?
Freire – A definição ainda será objeto de estudos e discussões técnicas nos subgrupos do grupo de trabalho. A intenção da Agência é construir requisitos proporcionais às características e às funções de cada tipo de infraestrutura. A diretriz é clara: a regulação deverá abranger todas as estruturas que, de alguma forma, integrem os serviços essenciais das redes de telecomunicações, independentemente do modelo societário ou operacional adotado.
7 – A Anatel não regula infraestrutura passiva. Regular a “casca” dos data centers não seria fugir a essa lógica?
Freire – A discussão sobre a chamada “casca” dos data centers ganha pertinência pelo papel estratégico que essas instalações desempenham. A atuação da Anatel sobre a infraestrutura física não decorre de uma mudança de competência, mas da necessidade de assegurar resiliência, continuidade e segurança dos serviços de telecomunicações. Em outras palavras, não se trata de regular o imóvel em si, mas de garantir que a estrutura que suporta os serviços essenciais esteja em conformidade com padrões técnicos adequados.
8 – A Anatel cogita prever sanções diretamente aos data centers ou apenas às operadoras que contratarem estruturas não homologadas?
Freire – Esse ponto ainda está em avaliação. A definição sobre como se dará a responsabilização — se diretamente sobre os data centers ou de forma indireta, via operadoras contratantes — será debatida à luz da melhor solução regulatória, sempre com foco na eficácia, na segurança jurídica e na proteção do interesse público.
9 – Qual a principal contribuição da Anatel para a atração de data centers ao Brasil e para a redução da dependência externa, considerando que 60% dos dados ainda são processados fora do país?
Freire – A principal contribuição da Anatel está em oferecer previsibilidade e segurança regulatória. Ao estabelecer requisitos claros de confiabilidade, resiliência e segurança, alinhados às melhores práticas internacionais , a Agência cria um ambiente propício para investimentos sustentáveis em infraestrutura digital no Brasil.
Dessa forma, complementa iniciativas mais amplas do governo voltadas ao fortalecimento do setor, ajudando a reduzir a dependência externa e a fomentar um ecossistema doméstico de data centers robusto e competitivo. Ao proporcionar estabilidade regulatória e um marco coerente de requisitos técnicos, a Anatel atua como indutora da atração de investimentos e garante que o crescimento do setor se dê de forma sustentável e em benefício direto da sociedade brasileira.
10 – Como a Anatel tem dialogado com o Ministério das Comunicações nesse processo? Existe algum ponto de divergência ou de conflito entre as instituições?
Freire – A relação da Anatel com o Ministério das Comunicações tem sido de plena sintonia fina e cooperação institucional. Cabe destacar que a definição da política pública sobre data centers é atribuição do Ministério, enquanto à Anatel, no exercício de sua competência regulatória, caberá implementar e ajustar os instrumentos necessários para dar efetividade a essas diretrizes. Esse alinhamento assegura clareza de papéis, estabilidade regulatória e maior eficiência no processo decisório.
Quero ressaltar, de modo especial, o trabalho conduzido pelo Ministro Frederico de Siqueira. Sob sua liderança, o Ministério promoveu uma tomada de subsídios ampla e qualificada, além de organizar um workshop temático que reuniu governo, setor privado e academia. Tive a honra de participar de um desse encontros, a convite do próprio Ministro, ocasião em que foi possível aprofundar o debate técnico e fortalecer a construção coletiva de soluções. Esse diálogo franco e estruturado é a melhor demonstração de como a cooperação entre MCom e Anatel tem produzido avanços concretos na agenda de infraestrutura digital e data centers no Brasil.