Quarta-feira, 15 de Outubro de 2025

‘Extrativismo digital’: Dell questiona incentivos a data centers e pede indústria mais estruturada

Na contramão da indústria de data centers, a fabricante de servidores e equipamentos de computação Dell avalia como problemática a política brasileira de isenções fiscais para o setor – o ReData – e defende medidas mais estruturantes para o fortalecimento da cadeia produtiva nacional.

Na visão de Diego Puerta, presidente da Dell Technologies Brasil, a intenção da política é positiva, mas o foco está equivocado.

Para o executivo, que ajudou a trazer fábrica da Dell para o Brasil em 1999, data centers se baseiam em uma lógica “imobiliária” e a atração de investimentos deveria ser planejada para evitar apropriação de energia e modelos “apenas extrativistas”.

“Para ser bastante claro e específico sobre esse tema: qual é o ponto de vista da Dell? Acho que [o ReData] é uma discussão válida e importante. Mas ela precisa ser feita da forma correta”, afirmou o executivo em em entrevista à imprensa durante o Dell Technologies Forum, realizado em São Paulo em 9 de outubro.

Segundo ele, “ao invés de simplesmente importar, por que a gente não desenvolve e cria medidas para produzir esse servidor? Imagina o impacto na cadeia, nos empregos, nas oportunidades… O Brasil poderia inclusive exportar. A gente mudaria a dinâmica de toda uma indústria digital.”

Puerta observou que a instalação de data centers envolve altos custos energéticos e poucos empregos diretos, e que o país, apesar de ter uma matriz elétrica limpa, enfrenta desafios de distribuição e operação contínua.

“O que está sendo discutido é baixar tarifas para importar servidores. Ou seja, você simplesmente só importa esses equipamentos para um investimento em data center que gera pouco emprego e alto consumo de energia. É quase um extrativismo moderno. Você está usando o Brasil apenas para fornecer energia”, afirmou.

A oportunidade, segundo ele, está na produção nacional de equipamentos, especialmente servidores, que poderia fortalecer a cadeia produtiva, gerar empregos e promover exportações, em vez de simplesmente importar equipamentos prontos.

As críticas partem da perspectiva de quem está produzindo localmente e lidera o mercado brasileiro de servidores, com 54,2% de market share, de storage (34,3%) e de PCs (39,3% comercial, 22,3% geral). Os dados são do levantamento mais recente da IDC, referentes ao segundo trimestre, e destacados por Puerta.

Atualmente, mais de 95% de tudo o que é vendido pela Dell no país é produzido localmente, em Hortolândia, única fábrica do grupo no mundo dedicada exclusivamente ao mercado interno.

A empresa também conta com três centros de P&D, mais de 100 patentes globais, um Solution Center e parcerias universitárias.

Questionado por BNamericas sobre a aplicação mais ampla prevista no ReData para isenções tributárias a equipamentos sem equivalente nacional, inclusive GPUs, que dificilmente seriam fabricados no Brasil, Puerta disse que o problema está no próprio conceito de produto fabricado localmente.

Esta foi a primeira vez em que a Dell se manifestou publicamente sobre o ReData, que segue em processo de conversão para lei no congresso nacional. A interlocução da empresa com o legislativo e com o governo sobre o tema se dá via Abinee, a associação nacional da indústria eletro-eletrônica.

“Acho que é a primeira vez que a gente fala de forma aberta com a mídia sobre esse tema. [O debate] é importante para a cadeia nacional, para o sistema de produção de energia do Brasil.”

Fabricação e competição

Durante o evento, a Dell destacou projetos com clientes como Vale e Brasil Terminal Portuário (BTP), entre outros, para aplicações de hardware e software para edge computing e cloud híbrida.

Em entrevista exclusiva à BNamericas, Joel Brawerman, diretor de Vendas de Soluções de Infraestrutura (ISG) da Dell para América Latina, disse que a fábrica da Dell em Hortolândia se destaca em produtividade e customização, inclusive com linhas novas em servidores e storage para clientes.

O executivo destacou que a empresa vem apostando em racionalização de portfólio, com a descontinuidade de algumas linhas, e inovações em software nos produtos, além de automação.

Brawerman reconheceu que o mercado de servidores no Brasil e na América Latina tem atraído forte concorrência, especialmente de fabricantes asiáticos, mas destacou o que avalia como diferencial da Dell em suporte, atendimento e relacionamento de longo prazo com clientes locais.

Entre os novos players, a chinesa xFusion – criada em 2021 a partir da divisão de servidores x86 da Huawei – anunciou recentemente sua entrada no mercado brasileiro. A também chinesa ZTE está investindo em equipamentos e servidores para data centers, enquanto a Lenovo vem ampliando contratos e prospecções comerciais e investindo em linha local de storage.

A Lenovo inclusive venceu a Dell e levou no ano passado um contrato de mais de R$500 milhões envolvendo a entrega de cinco supercomputadores para a Petrobras. O primeiro dos equipamentos já foi entregue.

Neste ano, a Dell, que já forneceu equipamentos para projetos de supercomputação da estatal de energia, perdeu outra concorrência de HPCs para a Petrobras, vencida pela Atos Bull. Apesar disso, ressalta o executivo, a Dell mantém a Petrobras como cliente estratégico em projetos de data center, servidores, armazenamento e ERP.

“É uma questão de maturidade e de transmitir nossa proposta de valor de forma mais clara aos clientes. Ganhar e perder faz parte do jogo”, disse Brawerman.

As áreas de computação de alto desempenho (HPC) e inteligência artificial (IA) continuam sendo prioridade para a empresa, com projetos voltados a indústrias, provedores de telecomunicações e iniciativas apoiadas por políticas públicas e incentivos fiscais.

De forma geral, os setores público e privado têm impulsionado a demanda regional por infraestrutura de data centers, HPC e IA, com destaque para projetos de repatriação de nuvem, segundo o executivo.

Nesta semana, a Dell anunciou que revisou sua meta de crescimento anual de receita global para 7% a 9% em 2025, acima da projeção anterior de 3% a 4%.

“Os clientes estão ávidos por IA e pela computação, armazenamento e rede que oferecemos para implementar inteligência em escala. Estamos traduzindo com sucesso essa demanda em crescimento e forte fluxo de caixa, que em grande parte retornamos aos acionistas”, disse Michael Dell, chairman e CEO da empresa.

 

 

 

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