Energia nuclear: Brasil corre para construir depósito definitivo para rejeitos radioativos
Com a licença da usina Angra 1 renovada por mais 20 anos e a construção de Angra 3 perto de ter uma definição – será concluída ou abandonada de vez? –, o descarte do material radioativo, principal risco ambiental da energia nuclear, poderá exigir investimentos no curto prazo.
Parte da armazenagem do complexo de Angra tem um gargalo à vista por volta de 2030, e o Brasil ainda não tem um repositório definitivo, obra que poderá durar até cinco anos.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), está contratando estudos para ter um projeto de construção atualizado em quatro meses. O governo estuda cinco cidades para instalar o repositório, todas no Sudeste, mas não revela quais.
A Eletronuclear, estatal que opera as usinas de Angra, não descarta novos investimentos em depósitos para rejeitos de baixa e média radioatividade – o combustível usado, material mais crítico, está armazenado em cilindros gigantes no complexo do litoral sul do Rio, com capacidade garantida até 2045, e não será destinado ao repositório definitivo.
Sombra do Césio 137
O descarte inadequado de material radioativo ficou marcado na história nacional com o caso do Césio 137, em 1987 – quando catadores de ferro-velho entraram numa clínica abandonada em Goiânia, encontraram um aparelho de radioterapia antigo e decidiram desmontá-lo para revender suas peças.
Há décadas, a Cnen planeja o repositório definitivo como solução para o problema. Recentemente, ele recebeu o nome de Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental (Centena).
A atualização dos estudos focará no cronograma e nos investimentos, segundo Clédola Cássia Oliveira de Tello, coordenadora do Projeto Centena na Cnen. A versão mais recente, de 2015, estimou o investimento em R$ 300 milhões.
O local de instalação – questão mais sensível, dado o risco ambiental de longo prazo – ainda não está definido, informou Clédola Cássia. A coordenadora preferiu não citar os nomes dos cincos locais em estudo, para evitar “especulações políticas e imobiliárias”, mas disse que todos estão no Sudeste, entre Rio, São Paulo e Minas. A ideia é usar um terreno público.
– Estamos finalizando a escolha do local – disse Clédola Cássia. Segundo ela, a expectativa é ter o projeto atualizado no início de 2025. – É um trabalho de quatro meses, com a produção de um relatório final.
Como é a armazenagem em Angra
No complexo de Angra, as estruturas de armazenagem se dividem em duas, para os rejeitos radiotivos, de baixa e média atividade, e para o combustível usado, retirados das usinas depois de repousarem por anos em piscinas de resfriamento.
Os três depósitos de rejeitos recebem todo e qualquer material contaminado, de máquinas a roupas, passando por uma simples caneta – justamente o tipo de material que irá para o Centena. Eles são destinados aos depósitos após ter a radioatividade medida, segundo John Wagner Amarante, chefe do Departamento de Rejeitos e Proteção Radiológica da Eletronuclear.
Boa parte dos objetos pode ser limpa. Nesse caso, água e detergentes que restem com radioatividade se tornam rejeitos a serem depositados. As roupas, por exemplo, não conseguem mais se livrar da radioatividade após várias lavagens – e só então são encaminhas para os depósitos.
Lá, dependendo do material, os objetos são triturados e compactados. Em seguida, são embalados em caixas e cilindros preparados, de aço inoxidável esmaltado.
Os depósitos têm 7,8 mil embalados de baixa e média radioatividade, numa área de 3 mil metros quadrados. Segundo Amarante, 70% da capacidade das unidades estão ocupados. Por isso, poderão receber rejeitos até 2028 ou 2030.
– Se o repositório não sair, de 2030 em diante, temos algumas saídas. Podemos construir um depósito novo, temos espaço. Ou podemos otimizar os depósitos atuais – disse Amarante.
Cascos aguentam impacto de avião, bombas e mísseis
Já o combustível nuclear usado vai para a Unidade de Armazenamento Complementar a Seco de Combustível Irradiado (UAS), construída entre 2020 e 2021, quando as piscinas de resfriamento de Angra 1 e Angra 2 chegaram perto do limite – cada usina tem a sua, perto do reator.
O combustível usado não é considerado rejeito radioativo, em parte, porque pode ser reaproveitado. Países como Rússia, França e Japão fazem o reaproveitamento, mas o Brasil ainda não usa essa tecnologia.
Na UAS, o material usado é armazenado em cascos cilíndricos de 2 metros de diâmetro e 4,6 metros de altura, tecnologia desenvolvida pela americana Holtec e usada em várias usinas nucleares nos EUA.
Antes, o combustível descartado é colocado em cilindros menores, de aço inoxidável. Depois, esses cilindros são instalados dentro dos cascos, cujas paredes são revestidas com duas chapas de aço e concreto de alta densidade.
– Os cascos são projetados para vários tipos de acidentes. Podem resistir ao impacto de um avião, de um míssil ou de uma bomba – afirmou Júlio Cesar dos Santos, coordenador do projeto da UAS da Eletronuclear.
A última transferência de combustível usado foi feita entre abril e setembro deste ano. Em 2025, chegarão novos cascos, com elementos vindos da piscina de esfriamento de Angra 1. Com folga de capacidade até 2045, é possível construir outra UAS depois dessa data, disse Santos.
Depósitos representam risco menor do que usinas
Apesar das preocupações com o descarte e com a escolha da localização do futuro repositório, nem os rejeitos de baixa e média radioatividade nem mesmo o combustível usado representam os mesmos riscos que um reator em funcionamento dentro de uma usina.
– O risco é muito inferior ao local de instalação de uma usina – explicou o coordenador-geral de Reatores e Ciclo do Combustível da Diretoria de Radioproteção e Segurança Nuclear da Cnen, Daniel Palma, ponderando que, mesmo assim, o licenciamento nuclear segue regras rígidas e que pode haver outros riscos associados, como o de contaminação química.