Sábado, 2 de Agosto de 2025

Empresas redirecionam capital diante de crise das renováveis

 Diante de um cenário cada vez mais adverso para os projetos de geração de energia renovável no Brasil, grandes empresas e investidores estão repensando suas estratégias e redirecionando capital para setores com maior estabilidade e retorno financeiro. 

 A combinação de fatores como cortes forçados na produção de energia (“curtailment”), sobreoferta de eletricidade, dificuldade na contratação de novos projetos e o atual patamar de juros elevados no país tem afetado a atratividade de empreendimentos eólicos e solares – especialmente em projetos novos (“greenfield”). 

 Até mesmo gestoras que antes viam a energia renovável como prioridade têm buscado alternativas. A canadense Brookfield, que historicamente fez grandes aportes em renováveis, direcionou o foco para ativos florestais e mercado de crédito de carbono, que também se mostram promissores na transição energética global, mas oferecem retorno de longo prazo com menor exposição regulatória. 

 “Recentemente, avançamos bastante em uma conversa de reflorestamento e venda de crédito de carbono”, afirma André Flores, diretor da área de energia renovável e transição da Brookfield. “É a primeira vez que estamos, de fato, fazendo uma diligência na busca de um novo parceiro”, acrescenta. 

 Dina Storch, diretora executiva de investimentos em energia renovável e transição da gestora, lembra que o Brasil tem importantes biomas com áreas que já foram desmatadas e há um aumento de demanda de empresas que fizeram compromissos de descarbonização e estão interessadas nestes créditos em contratos de longo prazo. 

 “Temos visto o interesse de empresas que querem compensar emissões difíceis de prevenir. Então essa compensação é por meio de créditos de carbono em projetos de grande integridade”, diz. A executiva lembra que a Brookfield lançou recentemente um fundo de até US$ 5 bilhões focado em mercados emergentes, como Brasil e Índia e os investimentos podem vir deste fundo. 

 Especialistas já vinham alertando que, em virtude do excesso de subsídios, os investimentos em geração cresceram mais que o consumo de eletricidade. Hoje, os projetos renováveis ficam prontos em no máximo 18 meses, enquanto as linhas de transmissão para escoar a energia demoram entre 48 e 60 meses. 

 Esse descasamento fez a Enel Brasil desistir de projetos solares. Os recursos não vão ficar parados – estão apenas indo para onde a matemática e o risco fazem mais sentido. Ao Valor, a empresa disse que decidiu concentrar seus investimentos principalmente em redes, com o objetivo de modernizá-las, digitalizá-las e torná-las cada vez mais resilientes, “adotando uma abordagem mais seletiva em relação às fontes renováveis”. 

 A desistência de projetos tem se tornado algo comum no setor. A Auren cancelou projetos eólicos na Bahia e a Shell confirmou que descontinuou projetos de energia eólica e solar no Brasil. Outro exemplo é a Alupar, que previa construir 214 megawatts (MW) em projetos eólicos no Brasil, mas instalou apenas 63 MW, alegando a sobreoferta de energia no país e a dificuldade em firmar contratos. A empresa está mais comprometida em concluir projetos de transmissão na América Latima. 

 “Existe uma sobreoferta no Brasil. Criou-se uma corrida pelas outorgas quando colocaram o limite de prazo para as empresas terem benefícios do desconto da Tust [tarifa pelo uso do sistema de transmissão]. Foi a ‘corrida do ouro’”, diz Luiz Coimbra, diretor de relações com investidores da Alupar. 

 O responsável pela área de energia e infraestrutura da butique de investimentos Araújo Fontes, Márcio Santiago, diz que projetos de transmissão para escoamento da energia gerada no Nordeste e projetos de bateria para mitigar a intermitência da solar e eólica são segmentos que têm atraído capital, justamente por oferecerem previsibilidade de receita, contratos de longo prazo e menor exposição à volatilidade do mercado livre de energia. 

 Ele lembra ainda que o setor de geração distribuída tem atraído atenção de investidores, já que o segmento adicionou, em média, 10 gigawatts (GW) de capacidade instalada por ano nos últimos 3 anos. Grupos como Patria, Squared, BlackRock, Brookfield, entre outros, entraram no segmento. 

 Limite de prazo para desconto na tarifa gerou corrida por outorgas” Luiz Coimbra 

 No caso da CDPQ, o caminho é outro. Eduardo Farhat, executivo-chefe que lidera as operações do fundo no Brasil, diz que energia é um setor chave, mas não pretende entrar em geração distribuída. “Não acredito em geração de energia baseada em subsídios”, diz Farhat. 

 Ele frisa que está aberto a oportunidades em geração, mas nenhuma transação ocorreu devido à percepção de risco e retorno. Farhat avalia que o cenário é conjuntural, influenciado por uma combinação de fatores como instabilidade regulatória e subsídios que distorcem os sinais de mercado, elementos que comprometem a previsibilidade e dificultam a formação de preços que justifiquem novos investimentos. 

 As apostas do CDPQ em novas frentes de atuação focam nas plataformas da Verene Energia, da área de transmissão; e da TAG, de transporte de gás natural. O negócio mais recente ocorreu em maio, quando a Verene comprou toda a sua unidade de transmissão da Equatorial em um negócio estimado em R$ 9,4 bilhões. 

 O Valor apurou recentemente que a Equatorial também colocou dois parques eólicos da Echoenergia à venda. O motivo, segundo fontes, seria uma reorganização do portfólio, além de canalizar recursos à recém-privatizada Sabesp. A empresa não quis se manifestar sobre o assunto. 

 O cenário também pegou as petroleiras que vinham diversificando seus portfólios com energia limpa. A Petrobras revisou seu Plano Estratégico 2024-2028, com investimentos de US$ 102 bilhões, com foco quase exclusivo em petróleo e gás. A BP e a Equinor seguiram caminho semelhante, e comunicaram ao mercado recuos nos compromissos com geração renovável e reforço nas operações fósseis. 

 Além disso, com a Selic em patamar elevado, os investidores têm migrado para ativos de renda fixa, como debêntures incentivadas, títulos públicos IPCA+ e fundos de crédito privado. Com a escalada dos juros, os investidores foram em bando para os fundos de renda fixa, que captaram R$ 242,98 bilhões em 2024, o maior valor da história da categoria em um ano, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). 

 Marcelo Girão, chefe de project finance do Itaú BBA, explica que o custo de capital afeta todos os setores, por isso a decisão de investimento fica mais alongada, já que são poucas oportunidades que remuneram o custo de capital, que está mais alto hoje. 

 “Vemos a indústria de fundos de crédito crescendo em captações ao longo deste período motivado pelo custo de capital mais alto e, comparativamente com o ‘equity’, o dinheiro do investidor está caminhando mais para renda fixa e crédito privado”, explica. 

 O último IPO realizado no Brasil ocorreu em 2021, com a abertura de capital do Nubank. No setor de energia, a última empresa a fazer uma oferta pública inicial foi a Focus, também em 2021, conforme dados do Valor Data. No ano seguinte, a companhia foi incorporada pela Eneva. 

 Especialistas dizem que isso é reflexo do alto custo de capital, que para algumas empresas é maior que o Ebitda, ou seja, o custo é tão elevado que supera até mesmo o lucro que a empresa conseguiria gerar com suas operações. 

 

Compartilhe: