Quarta-feira, 6 de Agosto de 2025

De coadjuvantes a protagonistas: qual papel ISPs podem desempenhar em redes celulares privativas?

O mercado brasileiro de redes celulares privativas (RCPs) é conhecido pelos projetos de grandes empresas implementados por operadoras móveis e integradores de grande porte – vide Vale, Petrobras, Gerdau, Nestlé etc. Até agora, provedores regionais de internet desempenharam papéis coadjuvantes em alguns projetos, mas especialistas ouvidos por Mobile Time entendem que eles teriam condições de ser protagonistas e contribuir para acelerar a implementação de RCPs no país junto a companhias de médio porte.

O primeiro ponto a favor dos ISPs é a presença local. Há cerca de 20 mil deles espalhados pelos rincões do país. Por estarem mais próximos dos clientes no interior, são capazes de garantir um suporte técnico mais ágil e com mão de obra local. Além disso, conhecem melhor a realidade das empresas locais e podem ser mais flexíveis na customização de projetos.

Outra vantagem é o fato de contarem com infraestrutura própria, na forma de torres (necessárias para a instalação das ERBs), fibra (para conectividade em caso de aplicações na nuvem) e energia.

“Os ISPs têm uma estrutura instalada de torres, fibra, PoPs, backhaul em fibra, energia e sites operacionais que pode ser aproveitada para implementar redes privativas. E a estrutura é o maior gasto de uma rede privativa”, afirma Marco Szili, sócio-fundador da Telesys.

Ao mesmo tempo, a falta de cobertura móvel em muitas áreas no interior do Brasil conta a favor dos ISPs. Não raro eles são a única opção de conectividade terrestre. Nesse cenário, o barateamento e a miniaturização dos equipamentos de rede 4G e 5G são mais um incentivo para os provedores incluírem RCPs em seu portfólio de produtos.

“Os ISPs têm potencial enorme para auxiliar os demandantes de redes privativas em áreas subatendidas pelas grandes operadoras. Acreditamos muito nisso”, comenta Gustavo Correa Lima, gerente executivo de soluções de conectividade do CPQD.

As barreiras para os ISPs
Apesar de terem a faca e o queijo na mão, poucos ISPs se aventuraram a liderar projetos de RCPs. Um exemplo recente é o da rede privativa 4G da mineradora Salinas Gold, no Mato Grosso, coordenado pela Ávato Tecnologia, empresa da Brasil Tecpar, em parceria técnica com a Venko Networks e equipamentos da Nokia.

A Telesys relata ter também dois projetos em andamento para o setor agrícola liderados por ISPs no Ceará e no Paraná.

E há a rede celular privativa 4G de São Miguel Arcanjo/SP, cujo projeto, embora tenha sido liderado pelo CPQD, contou com uma participação determinante de um provedor de internet local, a SMANET, no desenvolvimento de aplicações para os agricultores da região.

Mas por que tão poucos exemplos de protagonismo dos ISPs até agora? O que falta para destravar esse potencial?

A lista de obstáculos é grande. O primeiro deles está relacionado à cultura de negócios desses provedores. A esmagadora maioria está acostumada a desenvolver e vender produtos para o consumidor final. Ou seja, atuam no B2C, não no B2B, que demanda outro tipo de negociação e de suporte. Hoje, a operação no mercado corporativo se restringe apenas àqueles ISPs de maior porte. Fontes ouvidas por Mobile Time concordam que esses são os mais propensos a trabalhar com RCPs.

“O tema redes privativas faz parte do universo dos provedores que atendem ao mercado B2B. Foi muito fomentado pela aproximação com o pessoal da ABDI. Chegamos a criar um grupo de trabalho (na Abrint) sobre isso”, comenta Cristiane Sanches, vice-líder do conselho de administração da Abrint.

Outra dificuldade dos ISPs é a falta de conhecimento sobre tecnologia móvel. Montar uma rede 4G ou 5G é muito mais complexo que levar fibra ótica para uma residência.

“Não é uma tecnologia dominada por eles. As redes celulares são mais complexas de instalar. Tem que solicitar uso de radiofrequência na Anatel, planejar cobertura, subir torre. Fibra óptica é muito mais simples: os ISPs conseguiram se apropriar da tecnologia, instalar e operar”, compara Lima, do CPQD.

O consultor de telecomunicações Eduardo Tude, sócio do Teleco, faz coro: “O mais difícil para os ISPs é a falta de expertise no móvel”. Ele recomenda que, antes de montar redes celulares privativas, os provedores experimentem atuar como operadoras móveis virtuais (MVNOs), especialmente no modelo de autorizada, para ganharem experiência com a tecnologia.

Aqueles que quiserem vender RCPs vão precisar investir pesado em treinamento de seus técnicos e também no aprendizado sobre os negócios das verticais que serão atendidas. Em projetos de RCPs, é fundamental conhecer a operação do cliente para sugerir aplicações. Aliás, o Brasil carece de integradores capazes de trabalhar com tecnologia móvel e de implementar aplicações específicas para diferentes verticais.

“Em redes privativas você tem um papel mais relevante dentro do cliente. Se ele quer ter um caminhão autônomo, preciso saber os requisitos etc. É necessário conhecer o ecossistema daquela vertical. Mas isso se aprende, isso se constrói”, diz Renato Bueno, diretor de redes móveis para o mercado corporativo na América Latina da Nokia.

Outras experiências dos ISPs com redes móveis
A relação de ISPs com redes móveis não se resume às oportunidades do mercado de RCPs. Vale lembrar que muitos provedores de internet chegaram a comprar licenças para uso de espectro em caráter secundário na faixa de 2,6 GHz, com as sobras do leilão de 4G. Entretanto, vários deles acabaram não utilizando a frequência, por razões diversas, e devolveram as licenças anos depois. De alguma forma, isso traumatizou parte do setor e pode ser um dos empecilhos agora para olharem com mais carinho para o mercado de RCPs. Mas é importante lembrar que há ofertas de espectro a preços bastante acessíveis para projetos desse tipo em faixas diversas.

Há também provedores montando redes móveis 4G para a oferta de conectividade para usuário final com FWA e licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Para Ricardo Pianta, CEO da Venko Networks, esse também pode ser um primeiro passo para os provedores antes de pensarem em implementar RCPs. “É o que os americanos chamam de WISPs, ou Wireless ISPs”, diz. A demanda por equipamentos para WISPs tem sido grande na Venko: “Recebemos dois ou três por dia”. O executivo destaca ainda que há uma divergência de terminologia: muitos provedores chamam essas redes 4G para FWA de “redes privativas”, em oposição às redes públicas das grandes operadoras.

Bueno, da Nokia, lembra que a mesma rede celular pode se prestar a diferentes serviços: “Não necessariamente a rede é só para uma coisa ou outra. A tecnologia permite aplicações multisserviço. Dá para atender uma mina e lançar FWA para a comunidade vizinha que estava desatendida, por exemplo”.

E há também os ISPs que incluíram o serviço móvel em seus planos, geralmente como MVNO. São diversos os exemplos, mas talvez um dos mais emblemáticos seja o da Tá Telecom, que reúne mais de 100 provedores debaixo da mesma marca de operadora móvel virtual.

Próximos passos
Em resumo, há potencial para os provedores explorarem o mercado de RCPs, mas precisam fazer uma série de deveres de casa, incluindo ganhar experiência com redes móveis e com o mercado B2B, além de especialização nas verticais que pretendem atender. E, mesmo com tudo isso, precisam entender que não farão os projetos sozinhos.

“O primeiro passo é os provedores se darem conta da oportunidade que têm nas mãos e das habilidades que já possuem. Mas também terem consciência do que lhes falta. Eles não precisam fazer tudo sozinhos. Uma solução é buscar parceiros especializados que complementam seus skills”, resume Bueno. Tude concorda, reforçando a importância de terem parceiros de renome para ajudar nos projetos de RCPs: “precisam ter um ecossistema por trás para conseguirem vender”.

MPN Fórum
O case da Salinas Gold será apresentado no 5º MPN Forum, evento que acontecerá no dia 26 de junho, no WTC, em São Paulo. Haverá também uma palestra de abertura com Vinícius Caram, superintendente da Anatel, falando sobre as perspectivas regulatórias para o mercado de RCPs, e diversas apresentações de outros cases, como Vale, Rede Globo e SLC Agrícola.

O MPN Forum será encerrado com um painel de discussão sobre ideias para acelerar o mercado de redes celulares privativas. Dele participarão:

Adriano Pereira, diretor de IoT, Big Data e Inovação B2B, Vivo

Alexandre Gomes, diretor de marketing B2B, Claro empresas

Cristiane Sanches, vice-líder do conselho de administração, Abrint

Marco Szili, sócio-fundador, Telesys

Paulo Humberto Gouvea, diretor de soluções corporativas, TIM Brasil

Renato Bueno, diretor de redes móveis para o mercado corporativo na América Latina, Nokia

A agenda completa e mais informações estão disponíveis em www.mpnforum.com.br

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