Terça-feira, 5 de Agosto de 2025

Corte de energia desafia empresas e reacende alerta para consumidor

 No primeiro trimestre de 2025, as empresas do setor elétrico voltaram a sentir os efeitos econômicos dos cortes na geração de energia das fontes solar e eólica, imposto pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). É o chamado “curtailment”. 

 O balanço das empresas de capital aberto mostrou o reflexo em números. Os motivos dos cortes são limitações na infraestrutura de escoamento, falta de capacidade das linhas ou excesso de oferta. Só no primeiro caso há direito a ressarcimento; nos demais, o prejuízo é do gerador. A questão é se essa perda será transferida ao consumidor. 

 Empresas como Engie, Copel, Auren, CPFL, entre outras, citaram o “curtailment” nos balanços como fator relevante nos resultados. A Serena destacou a perda de 198 GWh de produção por causa de restrições na rede de transmissão, resultando em um impacto líquido de 198 GWh (R$ 29,9 milhões). 

 A CPFL calculou um impacto direto de R$ 47 milhões no Ebitda do trimestre apenas com a energia eólica que deixou de ser produzida. Ainda assim, o segmento registrou crescimento de 5% no trimestre. Desconsiderando os efeitos dos cortes, o avanço teria sido de 27%. 

 “O ‘curtailment’ continua afetando muito nossos negócios”, diz o CEO da empresa, Gustavo Estrella. “Se nada acontecer, temos uma perspectiva muito ruim até o final deste ano.” 

 Há inconsistências nos dados e divergências de procedimentos entre as informações do ONS e das empresas” 
 — Donato Filho 

 A Copel reconheceu que o aumento dos cortes no período limitou os ganhos. “Tivemos uma boa safra de ventos e, mesmo sendo prejudicados com o ‘curtailment’, conseguimos um primeiro trimestre bom”, disse o CEO da empresa, Daniel Slaviero. 

 A Auren registrou cortes de 8,3% na geração eólica, especialmente nos ativos incorporados da AES Brasil. Fábio Zanfelice, CEO da Auren, frisa que os efeitos foram mitigados graças à boa gestão do portfólio de geração. Mesmo assim, a empresa contabilizou impacto líquido de R$ 31 milhões. 

 Os empreendimentos afetados pelos cortes são principalmente parques eólicos e solares no Nordeste, onde há grande potencial de geração, mas baixa demanda local e limitações de transmissão para o Sudeste, principal centro consumidor. No caso da Alupar, mesmo com menor exposição, a empresa viu o resultado pressionado. Sem poder gerar a própria energia, a holding recorreu à compra no mercado de curto prazo. 

 Especialistas do setor já vinham alertando que, em virtude do excesso de subsídios, os investimentos em geração cresceram mais que o consumo de eletricidade. Para o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, com o avanço tecnológico, as fontes renováveis ficam prontas em no máximo 18 meses, enquanto as linhas de transmissão demoram entre 48 e 60 meses. “Por isso, os cortes de geração de energia vieram para ficar”, diz. 

 Donato Filho, diretor-geral da Volt Robotics, acrescenta que há inconsistências nos dados e divergências de procedimentos entre as informações do ONS e aquelas reportadas pelas empresas. O mês de fevereiro foi atípico devido à indisponibilidade de uma das principais linhas de transmissão responsáveis por escoar a energia da usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA), para o Sudeste. 

 “Os cortes têm crescido muito porque há muitas usinas entrando no sistema, tanto centralizadas quanto distribuídas, sem que os sistemas de transmissão acompanhem este ritmo”, diz. “Os dados históricos mostram que 30% dos cortes é por falta de carga [demanda], e os outros 70% são por questão elétrica, que são restrições de transmissão”, diz. 

 Para o ONS a proporção é outra. Segundo o órgão, até o momento, no mês de maio, mais de 77% da restrição de geração foi classificada como “Razão Energética”, “ou seja, quando não há demanda da sociedade para o consumo, o que é considerado risco do negócio”. 

 O órgão afirma ainda que busca garantir o atendimento da carga e respeitando os critérios de segurança estabelecidos. Isso significa operar dentro dos limites elétricos vigentes, das restrições hidráulicas, ambientais e respeitando o equilíbrio entre carga e geração. 

 Empresas já estão revendo planos de expansão em renováveis. Neste trimestre, a Alupar seguiu esse movimento. Luiz Coimbra, diretor de relações com investidores da empresa diz que previa construir 214 MW em projetos eólicos, mas optou por instalar apenas 63 MW. A decisão foi motivada pelo cenário de sobreoferta de energia no país e pelas dificuldades em firmar novos contratos. 

 Gilberto Feldman, CEO da Engeform Energia, conta que já há uma mobilização entre agentes e governo para endereçar uma solução para o problema. “Nas discussões dentro do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) há uma série de medidas com potencial para mitigar os efeitos dos cortes de geração renovável, principalmente durante os meses da safra de ventos no Nordeste, entre julho e setembro, como a flexibilização nos critérios de operação do sistema, a exemplo do que foi feito na crise hídrica de 2021, permitindo maior envio de energia elétrica do Nordeste para o Sudeste”, diz. 

 O setor pressiona o governo por uma repactuação das perdas com cortes. O ministro Alexandre Silveira (PSD) prometeu encontrar uma solução. Fontes dizem que o ministério quer como contrapartida que as empresas abram mão da judicialização. Essa alternativa tem um custo: se aprovada, a conta será paga pelo consumidor por meio do Encargo de Serviço do Sistema (ESS), cobrado nas contas de luz. 

 O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, critica a tentativa de repassar novos riscos de geração de energia ao consumidor. Em entrevista recente ao Valor, o dirigente disse que o debate sobre riscos no segmento de geração é recorrente no setor, que insiste em buscar amparo no estado quando suas premissas de negócio não se realizam. 

 Há leilões de transmissão marcados que podem aliviar os gargalos no médio prazo. Mas até lá, os riscos permanecem – e a disputa sobre quem paga a conta segue aberta. 

 

 

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