Catadores ganham protagonismo na gestão de resíduos sólidos
No ano da COP30 no Brasil, a gestão de resíduos sólidos e as cooperativas de reciclagem despontam como protagonistas não somente em questão ambiental, mas também econômica e social. Das 80 milhões de toneladas de lixo produzidos no país, apenas 8% foram recicladas em 2023, e 70% da coleta desse material é proveniente dessas entidades, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) a partir de dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) de 2023. Já o Anuário de Reciclagem, compilado pelo Instituto Caminhos Sustentáveis no ano passado, aponta que 3.028 cooperativas que agregam mais de 70 mil catadores reciclam 1,68 milhão de toneladas em 1.772 cidades brasileiras, com faturamento de R$ 1,36 bilhão no comércio desses itens e redução de mais de 1 milhão de toneladas de emissão de CO2 na atmosfera.
Os números mostram a força da chamada economia circular que, na visão de especialistas, deve ser ampliada, apesar das dificuldades de capilarização política em um país de dimensão continental como o Brasil. Outro gargalo provém de dentro dos domicílios: 70% das pessoas não fazem a separação correta de embalagens recicláveis, segundo levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). “Resíduo, na verdade, é a última coisa com que se preocupa dentro de casa, só quando gera odor. Em empresas, só quando elas são autuadas. Levaria ao menos quatro gerações para se aderir a esse comportamento”, diz Aline Sousa, catadora e ex-diretora da Central de Cooperativas de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (Centcoop-DF).
Ela, que passou a faixa presidencial para Lula na posse, em 2023, vê avanços no setor desde então. “O governo federal está investindo em recursos e políticas públicas para melhorar as cooperativas e colocá-las no cenário competitivo. O grande desafio é implementar modelos de negócios de cooperativas para todo tipo de alternativa e ações, inclusive modernizar tecnologias, mas é preciso reconhecer o catador. Ele fica para trás porque o mercado acaba ignorando catadores e cooperativas”, aponta.
Foi o foco em profissionais nas associações de reciclagem que moveu o Projeto Circular, da Ambipar, em parceria com a Ancat (Associação Nacional dos Catadores). Trata-se de um ecossistema para capacitar pessoas e cooperativas que trabalham com a destinação correta de resíduos, em ações que envolvem melhoria do espaço físico com pontos estruturados de coleta para entrega dos catadores, profissionalização fiscal dos negócios e capacitação para autogestão dos espaços. São 130 cooperativas que estão em aceleração em 25 cidades, e outras 20 já operam a todo o vapor em esquema de franquia social. A empresa calcula que mais de 2,5 mil toneladas de recicláveis foram recuperadas ao longo do projeto, com aumento de 68% na renda média mensal dos cooperados.
“Nosso fim é regenerar, e a economia circular é um pilar para isso. Trabalhamos com profissionalização das cooperativas em jornada mais eficiente, e nós levamos a tecnologia social. Levamos as cooperativas para o centro da estratégia com governos e indústrias no plano da política municipal”, explica Maíra Pereira, diretora de economia circular da Ambipar.
Caso da cooperativa Juntos Somos Fortes, de Santa Bárbara D’Oeste, no interior de São Paulo, que nasceu composta por mulheres, em sua maioria, dentro de uma favela. Em 2020, ela se tornou uma franquia da Ambipar que, atualmente, presta serviços para a prefeitura da cidade. “Foi um avanço na questão financeira, produtiva e de frentes de trabalho. Conseguimos um caminhão e temos um hub de reciclagem para atender os catadores e comprar os materiais. Hoje, temos uma filial em Monte Mor, e estamos expandindo para as cidades Capivari e Elias Fausto. Também fazemos a coleta seletiva no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo”, elenca Elisabete Matos, presidente da associação. Ela diz que o valor médio mensal para cada catador saltou de R$ 800 para R$ 2.500 após a capacitação. “Começamos com oito cooperados, hoje temos 33 e outros quatro na filial.”
Letícia Reis, porta-voz do setor na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), vê um avanço geral na organização, na quantidade de cooperativas e nas políticas públicas para reciclagem em nível federal, mas ressalta que é necessário olhar para os trabalhadores. “É preciso a participação e cooperação dos municípios, há uma inação de gestões locais para contratar cooperativas de coleta, ou se paga muito pouco. Ainda falta muito do poder público para essas associações. Também é preciso se pensar em uma aposentadoria especial para catadores”, afirma.
Exemplo de ação do poder federal é o edital Tudo na Circularidade, do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que prevê a distribuição de R$ 40 milhões para cooperativas e cujos resultados saíram nesta semana. Dos 17 projetos inscritos, três se classificaram: ABDI, BVRio e Softex, que atualmente participam das fases de apresentação oral e classificatória final das propostas. Em nota, o banco diz que o edital “deverá contribuir para geração de trabalho e renda e melhoria nas condições de trabalho na cadeia da reciclagem nas periferias urbanas e áreas de maior vulnerabilidade social; teste e validação de tecnologias, modelos de negócio e de governança adaptados a diferentes territórios, gerando referências para políticas públicas; capacitação de equipes e profissionais em técnicas e gestão da reciclagem; e engajamento das empresas responsáveis pela geração dos resíduos”. De 2006 para cá, o BNDES destinou R$ 204 milhões para apoio de cerca de 175 cooperativas.