Domingo, 3 de Agosto de 2025

Amazon e Mercado Livre desobedecem Anatel e Receita ao permitir venda de celulares piratas

A venda desenfreada de celulares piratas no Brasil se tornou um problema de segurança pública, prejuízo fiscal e concorrência desleal. Segundo denúncia feita pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Amazon e Mercado Livre estariam ignorando medidas regulatórias e facilitando a comercialização de aparelhos não homologados, a maioria da fabricante chinesa Xiaomi.

Em coletiva de imprensa realizada na terça-feira, 13 de maio, a Abinee revelou números alarmantes: o mercado irregular pode alcançar 5,2 milhões de unidades vendidas até o final de 2025, representando 14% dos 38,4 milhões de celulares esperados no país. Essa fatia ilegal movimenta cerca de R$ 4 bilhões, segundo estimativas, e compromete diretamente 10 mil empregos formais no setor nacional.

O barato que sai caro
Os celulares piratas, vendidos com preços até 40% mais baixos que os oficiais, atraem milhares de consumidores desavisados em plataformas digitais. De acordo com o presidente da Abinee, Humberto Barbato, muitos usuários acreditam que estão comprando produtos legalizados. “O percentual caiu de 19% para 14% com a fiscalização da Anatel, mas ainda é altíssimo”, destacou.

A Abinee acusa os marketplaces de retirarem propositalmente o código EAN dos anúncios de celulares — elemento essencial para rastrear a procedência do produto —, o que dificulta a fiscalização. “Eles retiraram o código EAN só dos celulares, sem qualquer justificativa”, pontua Luiz Claudio Carneiro, diretor de Dispositivos Móveis da entidade.

PL 2247/2025: punir plataformas é prioridade
A pressão da indústria gerou reação no Legislativo. O Projeto de Lei 2247/2025, apresentado em 12 de maio pelo deputado federal Vitor Lippi (PSDB/SP), pretende responsabilizar os marketplaces pela venda de produtos ilegais. A proposta prevê responsabilidade tributária solidária das plataformas e obrigatoriedade de compartilhamento de dados com a Receita Federal.

Para Humberto Barbato, a responsabilização legal das plataformas é inevitável:

“Elas têm total capacidade de identificar, remover e bloquear anúncios irregulares. A omissão é uma escolha.”

O PL também prevê penalizações mais severas para quem facilita esse tipo de comércio e pode criar um marco regulatório mais rígido para o setor digital no Brasil.

Anatel quer ampliar seus poderes de fiscalização
Outro ponto central no combate ao mercado irregular está nas mãos da Anatel. A agência reguladora busca atualizar a Resolução 715, com o objetivo de estender sua autoridade sobre todos os integrantes da cadeia de venda de produtos não homologados — dos fabricantes aos intermediários de venda online.

Segundo Barbato, essa medida pode trazer resultados imediatos. “Não adianta apenas multar. É preciso apreender os aparelhos e desestimular economicamente esse mercado”, afirmou. O processo regulatório está sob responsabilidade do conselheiro Alexandre Freire e pode entrar em pauta até agosto.

Impactos econômicos e sociais da pirataria digital
A proliferação de celulares falsificados vai além do dano à indústria legal. Ela enfraquece a arrecadação fiscal, ameaça a segurança do consumidor, prejudica empregos formais e alimenta o mercado do crime, já que muitos desses aparelhos não têm rastreabilidade.

Além disso, os aparelhos piratas costumam não ter garantia, não funcionar em toda a capacidade da rede móvel nacional e podem apresentar falhas técnicas e riscos à saúde, como superaquecimento ou emissão irregular de radiação.

Celular como alvo do crime: endurecimento das penas

Outro ponto defendido pela Abinee é o endurecimento das penas para receptação de celulares roubados. Uma proposta em análise na Casa Civil sugere que a pena máxima para receptação qualificada suba de 6 para até 12 anos de prisão. O objetivo é desincentivar o mercado paralelo e criminalizar de forma mais severa quem lucra com roubo e revenda de eletrônicos.

O projeto também discute alterações no Código Penal, incluindo a equiparação da adulteração de IMEI (número de identificação do celular) ao crime de adulteração de chassi de veículo — uma infração grave e que facilita a camuflagem de celulares roubados.

Segundo Luiz Claudio Carneiro, “essa atualização penal pode mudar radicalmente o cenário”, elevando os riscos para quem tenta atuar no mercado ilegal e protegendo a cadeia produtiva legalizada.

Ações estaduais e inteligência artificial na fiscalização
A Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP) iniciou recentemente a segunda fase da operação “Celular Irregular”, focada na sonegação fiscal no comércio digital. Com o uso de Inteligência Artificial, a operação selecionou 69 estabelecimentos e 254 mil aparelhos para investigação.

A equipe da Diretoria de Fiscalização (DIFIS) vai realizar visitas presenciais para checar documentação e procedência das mercadorias. A meta é mapear vendedores que atuam com notas fiscais frias, CNPJs falsos ou sem recolhimento de impostos.

Esse cruzamento automatizado de dados fiscais é apontado como ferramenta eficaz para reduzir a impunidade e encurtar o tempo entre a denúncia e a repressão ao comércio ilegal.

Parcerias institucionais e programas de bloqueio
A Abinee também participa ativamente do programa Celular Seguro, do Ministério da Justiça, que permite o bloqueio rápido de aparelhos roubados em todo o território nacional. A entidade integra ainda o Grupo de Segurança da Anatel e mantém parcerias com secretarias estaduais de segurança, como a de São Paulo.

Essas iniciativas visam acelerar a resposta institucional aos crimes envolvendo celulares, criando barreiras tecnológicas e legais contra a comercialização de produtos irregulares.

“É preciso apertar o cerco. O mercado ilegal é dinâmico, sempre tenta burlar o sistema. Temos que reagir com mais inteligência, tecnologia e punição”, defende Barbato.

A indústria exige respostas rápidas
Para os representantes da indústria, o momento é de ação coordenada. As medidas paliativas, como aviso ao consumidor e remoção voluntária de anúncios, não têm surtido efeito diante da resistência dos marketplaces e da baixa punição legal. A demanda é por medidas legislativas robustas, apreensões em grande escala, e fiscalização em tempo real com apoio da Receita e da Anatel.

O que dizem Amazon e Mercado Livre?

Até o momento, Amazon e Mercado Livre não se pronunciaram oficialmente sobre as acusações. Ambas as plataformas alegam, em comunicados anteriores, que cumprem a legislação brasileira, mantêm canais de denúncia e realizam ações periódicas de remoção de anúncios irregulares.

No entanto, as denúncias da Abinee e os dados de fiscalização apontam o contrário: ainda há grande volume de celulares piratas à venda, com aparência profissional e anúncios patrocinados, o que aumenta o risco de engano por parte do consumidor.

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