ANPD: uso da biometria está banalizado, diz Miriam Wimmer
A ANPD recebeu 88 colaborações na sua tomada de subsídios sobre dados biométricos vindas do setor público, privado e da sociedade civil. A proposta da agência reguladora é analisar o uso banal da tecnologia e como dosar sua utilização sem perder em segurança e proteção de dados sensíveis. Para incrementar o debate, realizou nesta terça-feira, 2, o Webinário Resultados da Tomada de Subsídios do Projeto Regulatório de Dados Biométricos, com representantes da Agência Nacional de Proteção de Dados e convidados de diferentes setores.
Miriam Wimmer, diretora da ANPD, iniciou sua fala no painel com especialistas afirmando que “o uso dos dados biométricos se tornou cada vez mais comum, a ponto de se falar numa banalização do seu uso. E é uma sensação empírica de que a gente tem que dar nossa biometria, seja na entrada de um prédio, na farmácia, para acessar determinadas aplicações, sites, para acessar determinados serviços, mas estamos lidando com dados sensíveis”, explicou.
Um pouco antes, na abertura do evento virtual, Waldemar Gonçalves, diretor-presidente da agência, também alertou para a urgência do tema e sua relevância por ser cada vez mais utilizado na sociedade, seja em estádios de futebol, condomínios, clínicas ou em outros ambientes.
“Apesar de bem-vinda, essa inovação requer uma regulação robusta por se tratar de dados sensíveis, de modo a garantir que os direitos não sejam violados. A utilização desses dados é sensível para diversas finalidades e sua natureza demanda um alto nível de proteção e, por isso, ela merece um tratamento cada vez mais rigoroso pela ANPD”, disse Gonçalves, que também informou que o tratamento biométrico é um dos projetos prioritários do órgão.
Wimmer lembrou que os dados sensíveis são separados dos não sensíveis na lei por suscitarem mais riscos ao usuário. “Estamos falando de golpes, fraudes, usos indevidos, para fins discriminatórios. Se um dado biométrico é objeto de um vazamento, de incidentes de segurança, é uma situação irreversível, com danos potenciais ao titular difíceis de serem dimensionados; não são como uma carteira de identidade, que podemos tirar uma segunda via”, completou.
A diretora reconheceu os benefícios da tecnologia, mas sugere uma reflexão sobre os contextos que a biometria é recomendável para o nível de segurança na autenticação e identificação do usuário face a outros contextos em que alternativas poderiam ser dadas ao titular.
InternetLab
Em sua fala, Helena Secaf, coordenadora de pesquisa e encarregada de dados do InternetLab, reforçou que dados biométricos são dados sensíveis e, portanto, têm maior potencial discriminatório. “O tratamento desses dados carrega um risco maior associado à violação de direitos fundamentais. Então, necessariamente, tem um ônus maior na hora de se tratar esse tipo de dado”, resumiu. Para o InternetLab, uma regulamentação deverá deixar clara quais são essas obrigações mais robustas e formas de averiguar se as obrigações estão sendo seguidas. “Isso é importante tanto para quem trata os dados como para os titulares, por uma questão de controle”, comentou.
O outro ponto tocado pela especialista é que, se existem alternativas menos invasivas, que se use.
Febraban
Com 80% das transações acontecendo em ambiente digital, o grande desafio das instituições financeiras é fazer com que haja constante inovação em autenticação, segurança e proteção dos dados pessoais. “Essa realidade de maior digitalização dos brasileiros, traz enormes benefícios e a gente, para consolidar a confiança e a segurança em relação à fraude é crucial”, resumiu Lívia Wanderley, representante da Febraban e líder da área de privacidade de dados e ética de dados do Itaú, além de ser encarregada de dados.
Para o mercado financeiro, o uso de dados biométricos é “crucial”, hoje em dia, e “as tecnologias de reconhecimento facial são indispensáveis na garantia das operações”, afirma.
A tecnologia mitiga roubos, fraudes e resguarda transações de alto risco.
Entre as contribuições apresentadas pela Febraban, feitas em parceria com a Abinee, Wanderley deu cinco pontos sobre o uso da biometria:
Abordagem baseada em risco
O uso de tecnologias de reconhecimento facial deve ser guiado por uma abordagem baseada em risco, sendo feito de forma proporcional e garantindo a neutralidade tecnológica. O setor financeiro acredita que uma regulamentação que adote um tratamento único (“tamanho único”) para o uso da biometria pode “travar” ou “engessar” a inovação que confere mais proteção aos usuários.
“Não é possível dar um tratamento único de uso de biometria. A regulação, nesse sentido, pode travar ou engessar uma inovação que proporciona uma proteção maior aos titulares de dados”, diz Wanderley. “É importante sermos proporcionais ao uso, que, numa abordagem de risco, faça sentido, e uma neutralidade tecnológica que calibre a inovação tecnológica e outros tipos de reconhecimento possam ser utilizados para prevenir a criticidade dessas operações”, complementou.
Transparência e proporcionalidade na adequação do uso da biometria, com restrições a alternativas em casos críticos
Em situações mais críticas no setor financeiro, como o uso para segurança e prevenção à fraude, oferecer uma alternativa [à biometria] é inadequado, pois daria espaço para a atuação de agentes mal-intencionados. O nível de transparência deve ser dosado para resguardar a segurança e a prevenção à fraude.
“Para fins de segurança e prevenção à fraude, uma alternativa ao dado biométrico é inadequada. E a dose de transparência exigida pela lei deve ser medida. “Se avançarmos a mais no nível de transparência, eventualmente posso trazer problemas e dar o mapa do tesouro para esses agentes maliciosos”, resumiu.
Bases legais além do consentimento
O consentimento é válido, mas não deve ser a única base legal. Para a Febraban, as bases legais de prevenção à fraude e o cumprimento de obrigação legal também devem ser bases válidas para o tratamento de dados biométricos a depender do contexto.
Para fins de segurança e prevenção à fraude, a base de prevenção à fraude deve ser aplicável em todas as etapas da operação, desde a coleta até o tratamento, geração do template biométrico e armazenamento.
Importância da Biometria Comportamental
A biometria comportamental (incluindo padrões de digitação e velocity checks) ocupa um papel crucial como complementação ao uso de reconhecimento facial e de dados biométricos. Ela é utilizada juntamente com outras medidas para autenticação contínua e detecção de anomalias nas operações bancárias, sendo importante para a complementação da segurança e prevenção à fraude.
Papel da ANPD na Conscientização e Educação
Por fim, a representante da Febraban destacou o papel importante da ANPD na conscientização e na educação da sociedade. Informar as pessoas sobre o uso seguro e proporcional da biometria é um aspecto crucial que a ANPD deve desempenhar.
A visão do governo
Hudson Mesquita, diretor do Departamento de Identidade Digital da Secretaria de Governo Digital (SGD) do MGI, concentrou sua fala na natureza sensível dos dados biométricos, na grande responsabilidade da SGD em seu uso e nos principais projetos governamentais que utilizam essa tecnologia.
Mesquita abordou dois grandes projetos do governo federal que usa biometria para identificação do cidadão:
A nova Carteira de Identidade Nacional (CIN), que deve reidentificar toda a população brasileira até 2032 e cujo processo envolve o recadastramento dos dados biométricos das pessoas.
Plataforma Gov.br, potencialmente a principal usuária de biometria do país, com mais de 170 milhões de contas ativas, sendo que mais de 80 milhões de pessoas realizaram algum processo de validação ou verificação biométrica para obter um nível de identidade digital mais seguro.
