Domingo, 7 de Dezembro de 2025

Marketplaces: Europa aperta o cerco; Brasil segue no escuro

A União Europeia decidiu agir. Diante da venda de armas, produtos perigosos e até bonecas sexuais com aparência infantil em marketplaces globais, no dia 26/11 o Parlamento Europeu exigiu que a Comissão abandone o diálogo e avance para medidas duras: sanções imediatas, medidas cautelares e até suspensão completa de serviços. O recado é simples: quem organiza e lucra com produtos ilegais deve responder por eles.

Enquanto isso, o Brasil permanece preso a um vácuo regulatório agravado por má compreensão de decisões judiciais que têm limitado a atuação da Anatel. A agência vem há anos alertando sobre riscos, fiscalizando, propondo diálogo e, mais recentemente, impondo medidas cautelares contra a venda de celulares não homologados. Mas, mesmo diante de evidências crescentes de risco ao consumidor e à segurança pública, parte do Poder Judiciário tem suspendido medidas sob o argumento de que marketplaces seriam “Serviços de Valor Adicionado”, razão pela qual não estariam sob o guarida regulatória da Anatel, ainda que se tratarem de produtos legalmente homologados pela agência.

Os números da Abinee – Associação Brasileira da Industria Elétrica e Eletrônica mostram o tamanho do problema. Segundo dados apresentados pela associação, as vendas de celulares irregulares atingiram 25% do mercado em 2023, ultrapassando 10 milhões de aparelhos, impulsionados principalmente por marketplaces. Em 2024, mesmo com ações da Anatel, a participação ainda foi de 19%. A projeção para 2025 indica que 5,2 milhões de smartphones irregulares entrarão no país — cerca de 14% do total.

Esses produtos não são apenas ilegais: são perigosos. Como registra a Abinee, celulares vindos de origem duvidosa e sem homologação violam o Código de Defesa do Consumidor, o Código Tributário Nacional e a Lei Geral de Telecomunicações. Podem explodir, causar choques, emitir radiação acima dos limites e interferir em aeronaves. São vendidos massivamente em grandes plataformas digitais — e chegam ao país, em grande parte, via Paraguai, que importou 8 milhões de celulares em 2024, muitos deles internalizados para o Brasil.

Impacto econômico
O impacto econômico é devastador. Somente em 2025, o Brasil deve perder R$ 3,5 bilhões em tributos federais e R$ 1 bilhão em ICMS, além de 10 mil empregos e R$ 350 milhões em investimentos de P&D previstos na Lei de Informática. Trata-se de uma sangria fiscal e industrial alimentada, em grande parte, pela ausência de mecanismos eficazes de responsabilização no ambiente digital.

É aí que o contraste com a Europa fica mais evidente. Lá, a responsabilidade é definida pelo impacto e pela participação econômica: se a plataforma organiza logística, promove anúncios, processa pagamentos e lucra com a operação, ela responde pelo risco sistêmico que produz. Aqui, ao contrário, a Anatel tem sido esvaziada na sua capacidade de agir e deixam o consumidor desprotegido, além de todos os reflexos de ordem pública.

Um caminho para superar esse impasse é a adoção do critério de participação econômica, já consolidado em diversos países. Esse modelo reconhece que, quando a plataforma integra a cadeia de valor — organizando oferta, impulsionando visibilidade, processando pagamentos e lucrando diretamente com a venda — ela deve responder pelos riscos e ilegalidades associados. Foi esse critério que permitiu avanços importantes em decisões judiciais nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Índia, destravando a responsabilização de marketplaces e restabelecendo a proteção do consumidor. Aplicado ao Brasil, esse mesmo princípio resolveria a crise de liability que hoje impede o Estado de agir e permite a perpetuação do mercado ilegal.

Ambiente digital seguro
Não se trata de restringir inovação ou comércio eletrônico — pelo contrário. O Brasil precisa de um ambiente digital seguro, competitivo e baseado em regras claras. Mas isso exige reconhecer a realidade: marketplaces não são neutros. Eles são parte essencial da cadeia de comercialização e não podem servir como canais de escoamento de produtos ilegais.

A Europa apertou o cerco. Os Estados Unidos avançam com decisões que responsabilizam plataformas pela venda de produtos nocivos. O Reino Unido adota regulação baseada em função e impacto. Índia e Austrália também caminham na direção da responsabilização direta.

O Brasil precisa decidir se continuará no escuro, permitindo que milhões de aparelhos contrabandeados e perigosos circulem sem controle — ou se dará o passo necessário para proteger sua população, sua indústria e sua arrecadação. Ignorar o problema não é mais uma opção.

*- Sobre o autor: Edson Holanda é Conselheiro da Anatel. Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP. Mestre em Estado, Regulação e Concorrência pelo IDP. Possui formações executivas em Gerência Jurídica para Estatais pelo Insper (2024), Alta Gestão para Conselheiros pela FGV (2023), Regulação e Proteção de Dados Pessoais pela Nova School of Law (Portugal) e Governança Corporativa e Compliance pelo Insper/SP. As opiniões expressas nesse artigo não necessariamente refletem o ponto de vista de TELETIME.

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