Energia elétrica se reinventa e encara equação com várias soluções
O setor elétrico passa pela maior transformação de sua história. A ampliação do mercado livre e a geração distribuída, com mais de quatro milhões de consumidores que geram sua própria eletricidade, modificaram o papel dos clientes. A mobilidade elétrica e novos grandes consumidores, como data centers, ampliam o desafio de operação e manutenção, enquanto os efeitos das mudanças climáticas exigem das concessionárias diferentes formas de pensar em distribuição, geração e transmissão. Para inovar e ganhar mais eficiência, uma série de medidas tem sido colocada em prática pelas cinco líderes do setor no ranking do anuário Valor Inovação Brasil 2025. Pela primeira vez desde que a pesquisa começou a ser feita, em 2016, duas empresas do setor — Energisa e Eletrobras — estão entre as dez mais inovadoras do Brasil.
Líder no ranking setorial e quinta colocada entre as mais inovadoras do Brasil, a Energisa, empresa de geração e distribuição de energia, atua em 11 Estados, com destaque para as regiões Norte e Centro-Oeste. Detém uma rede de distribuição que oferece 8% da eletricidade do país e uma rede de gás canalizado que chega a 12% dos consumidores do insumo, numa carteira total de 9,2 milhões de clientes. Seu modo de operar leva em conta soluções integradas como forma de servir clientes corporativos cada vez mais interessados em descarbonizar as operações. No centro do Estado de Santa Catarina, na cidade de Campos Novos, por meio de seu braço de gás, a (re)energisa vem investindo cerca de R$ 80 milhões em uma unidade que produz biofertilizantes e expandiu suas atividades para o biometano.
A operação usará tecnologias como a “codigestão”, que aproveita resíduos de aves e suínos na produção de combustível renovável. A operação catarinense vai tratar 350 toneladas diárias de resíduos agroindustriais, o que vai resultar na produção de 25 mil metros cúbicos de biometano por dia e 3,5 mil metros cúbicos de adubo orgânico por mês. “É um exemplo de economia circular, que pode ser escalado e replicado”, diz Ricardo Botelho, CEO do grupo Energisa.
Maior geradora e transmissora do setor elétrico brasileiro, a Eletrobras tem investido para identificar com mais eficiência os impactos das mudanças climáticas e reagir a eles. Criou um centro de monitoramento de ativos e clima do Brasil em sua sede no Rio de Janeiro. A iniciativa busca administrar melhor a rede de geração e transmissão de energia, distribuída por todo o território nacional. O principal objetivo é ter visão centralizada de instalações e equipamentos, além de prever e mitigar impactos climáticos. A empresa tem quase cem mil ativos de geração e transmissão espalhados pelo país. “O objetivo é entender onde há um risco meteorológico e alertar a operação ou, em lugares que uma pessoa não pode acessar, acionar o monitoramento. Por exemplo, usar câmeras termográficas para avaliar a temperatura de um ativo”, diz Juliano Dantas, vice-presidente de inovação da Eletrobras. A ideia é fornecer boletins diários, alertas pontuais e previsões especiais. A plataforma terá capacidade para prever eventos meteorológicos e indicar quais ativos podem sofrer impacto.
Inteligência artificial (IA) é outra vertente de apoio da Neoenergia, que criou uma área dedicada ao tema na diretoria de transformação digital. Um foco é ampliar a inteligência nas redes, permitindo atendimentos mais rápidos e assertivos. Desde 2015, a empresa tem trabalhado no sistema batizado de Godel (homenagem ao matemático Kurt Godel), uma família de tecnologias nacionais para redes inteligentes. Os sensores permitem monitoramento das perdas técnicas e não técnicas (que incluem furto de energia e fraude), possibilitando o planejamento inteligente de ações de redução de perdas. Também foi criada uma ferramenta para avaliar a capacidade da rede elétrica de receber novas conexões de geração distribuída solar. Nos próximos meses, os sensores serão exportados pela primeira vez. Distribuidoras da Argentina ficaram interessadas na solução inovadora.
Em mobilidade elétrica, a Neoenergia deverá inaugurar em outubro uma das primeiras usinas de hidrogênio verde do país, localizada em Taguatinga, no Distrito Federal. Com investimento superior a R$ 30 milhões, a unidade funcionará como ponto de abastecimento para veículos leves e pesados. Será alimentada por uma usina fotovoltaica e contribuirá para a descarbonização de setores de difícil eletrificação, como o transporte de carga. Um ônibus circulará com o energético renovável. A empresa está em negociação com a Secretaria de Turismo do Distrito Federal para ampliar a iniciativa.
Além de trabalhar na eletrificação da frota de veículos, a Neoenergia tem buscado oferecer serviços de eletrificação para setores que tentam reduzir sua pegada de carbono. “Trabalhamos com uma indústria de alimentos e uma rede de hotéis que está mudando parte de bombas movidas a gás natural para energia elétrica”, afirma o executivo.
A rede de distribuição tem passado por transformações com o avanço da geração distribuída solar, o que traz desafios de controle de frequência e tensão e exige mais eficiência das distribuidoras. Uma inovação criada pela Neoenergia foi o reator saturado, utilizado para controlar dinamicamente episódios de excesso de tensão em redes distribuidoras. A ideia, inovadora no Brasil, foi apresentada em julho na 28ª edição da Conferência Internacional sobre Distribuição de Energia Elétrica (Cired), em Genebra, na Suíça. “Estamos patenteando essa solução, que custa entre um quinto e um décimo da tradicional. Estamos conversando com um fornecedor brasileiro de equipamentos para escalar essa solução”, afirma José Brito, gerente de inovação da Neoenergia.
Na Cemig, a estratégia de inovação foi reforçada em 2024, quando a empresa anunciou o Inova Cemig.Lab, um programa de inovação aberta que contratou 13 startups para enfrentar desafios estratégicos da companhia. Deve fechar este ano com pelo menos 40 parcerias firmadas. Seis linhas de pesquisa foram definidas: baterias, hidrogênio verde, geração distribuída, redes inteligentes, inteligência artificial e mobilidade elétrica. “A ideia é olhar para dentro e ter soluções de mercado com apoio do ambiente externo”, diz Felipe Reis, gerente de inovação da Cemig.
A concessionária negociava no início de agosto com a prefeitura de Montes Claros (MG) para fornecer a rede de infraestrutura elétrica de mobilidade urbana (a Cemig inaugurou em julho uma usina solar na cidade). A administração municipal pretende realizar licitação de aquisição de ônibus elétricos e ter em operação 25 veículos no próximo ano. “Estamos conversando sobre um contrato de operação e manutenção para viabilizar o investimento e preparar a rede e um contrato de demanda firme para abastecer a frota”, afirma o executivo.
A mobilidade elétrica está também ligada a tecnologias de armazenamento, como baterias, que podem ser usadas para balancear a rede. Em momentos em que os veículos estejam parados ou a demanda pelo transporte público for menor, a energia pode ser disponibilizada a outros clientes. “Todos esses pontos estarão em estudo, já que isso amplia a flexibilidade”, diz Reis.
As transmissoras de energia elétrica também se preparam para as transformações pelas quais o setor passa. O avanço de geração descentralizada, fontes variáveis e maior escoamento entre as cinco regiões do país ampliaram a complexidade do sistema e deverão fazer com que as transmissoras funcionem como minioperadoras de rede e atuem além da construção e operação de linhas de transmissão. A ISA Energia estuda investimentos em armazenamento de energia elétrica. O primeiro leilão de contratação desses sistemas pode ser realizado em 2026 pelo governo federal.
Além de novos negócios, outra prioridade é ampliar a resiliência das redes. Em 2024, a ISA Energia concluiu um diagnóstico detalhado sobre a exposição de seus ativos às ameaças climáticas. O estudo, conduzido em parceria com a consultoria WayCarbon, mapeou riscos futuros para os horizontes de 2030, 2040 e 2050, permitindo identificar os ativos mais vulneráveis. A partir desse mapeamento, está sendo desenvolvido um plano de adaptação e resiliência específico para ativos críticos.
“Nosso objetivo é antecipar os impactos e tornar o sistema mais robusto, sem depender exclusivamente de grandes alterações físicas na infraestrutura existente”, diz Claudio Domingorena, diretor-executivo de regulação, estratégia e inovação da ISA Energia Brasil. Paralelamente, a empresa está liderando um estudo técnico com propostas de ajustes no marco regulatório do setor elétrico, relata. Ele destaca que, no curto prazo, a ISA Energia tem apostado na transformação da cultura de gestão de riscos do setor. A companhia defende a substituição do modelo que assume a inevitabilidade das falhas pelo conceito no qual os sistemas são projetados para operar mesmo diante de eventos extremos. “Essa transição é considerada essencial frente ao aumento da imprevisibilidade dos eventos climáticos”, afirma.
