Sábado, 2 de Agosto de 2025

Data centers vão guiar investimentos em energia

O interesse de empresas de data centers no Brasil abre oportunidades para que empreendedores de geração renovável e de transmissão de energia possam avançar com novos projetos para atender à demanda de eletricidade desse segmento. A chegada desses centros de dados também vai exigir das autoridades um novo olhar para o planejamento da expansão da oferta de energia, na visão de especialistas. As projeções de aumento de consumo são variadas, mas há um ponto em comum: a evolução da demanda é na casa de gigawatts (GW) e vai exigir investimentos significativos por parte do setor.

Data centers são centrais que abrigam computadores com alta capacidade de processamento e armazenamento, bem como toda a infraestrutura associada, caso de redes e unidades de dados. As centrais contam ainda com equipamentos que garantem o funcionamento ininterrupto em caso de queda de energia na rede, incluindo bancos de baterias, geradores e sistemas de “no-breaks” e proteção. Sua implantação pode demandar de três a quatro anos.

A operação dos servidores também gera calor, exigindo a instalação de sistemas sofisticados de refrigeração. A climatização dos data centers responde por cerca de 40% do consumo de energia das instalações, segundo especialistas.

Nos últimos anos, o surgimento de tecnologias como “blockchain” (usada para criação e registro de criptomoedas) e armazenamento de dados na nuvem exigiu capacidade maior de processamento de informações. Mas a inteligência artificial generativa (GenAI, na sigla em inglês) elevou de forma exponencial a demanda de servidores e se tornou responsável pelo crescimento do número de novos projetos de data centers no mundo.

Na escala de medidas de energia, a carga de data centers está sendo projetada na casa dos terawatts (TW): 1 TW corresponde a 1 mil GW, que equivalem a 1 milhão de megawatts (MW).

Segundo o “Relatório de Economia Digital”, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), de 2024, o consumo de eletricidade de 13 das maiores operadoras globais de data centers mais que dobrou entre 2018 e 2022. Estima-se também que a demanda de data centers chegaria a 1 mil terawatts-hora (TWh) em 2026, muito acima dos 460 TWh consumidos em 2022 – o que, naquele ano, correspondia à demanda da França. A Unctad ressaltou “a necessidade urgente de estratégias de digitalização ambientalmente sustentáveis e inclusivas” para permitir a elaboração de novos projetos.

A Agência Internacional de Energia (AIE) projeta, por sua vez, uma demanda global de data centers entre 600 TWh e 1.000 TWh até 2026. Estudo recente do Boston Consulting Group (BCG) estima também um volume de investimento de US$ 1,8 trilhão por empresas de data centers até 2030.

“As necessidades energéticas da IA e da computação em nuvem estão crescendo rapidamente, e os ‘hyperscalers’ [data centers de grande porte] já se tornaram alguns dos maiores compradores corporativos de energia renovável”, afirma Rodrigo Borges, gerente de mercados da empresa de consultoria Aurora Energy Research.

Na corrida mundial por locais para novos projetos, o Brasil começou a chamar a atenção das empresas de data centers entre 2018 e 2019. Entre outros fatores, a oferta abundante e barata de energia elétrica renovável tornou o país alvo de investimentos das empresas do segmento e inaugurou um novo momento para o planejamento da oferta. Empresas de geração renovável reduziram o ritmo de novos investimentos em geração, à espera de mudanças regulatórias a partir da reforma do setor elétrico, mas podem vir a destravá-los com as novas demandas.

João Pedro Ribeiro Assis, sócio do escritório Lobo di Rizzo Advogados, diz que o Brasil adotou uma série de políticas públicas para geração renovável que levou o país a ser candidato a receber parte dos novos investimentos em data centers. “Temos uma fotografia favorável para locar a indústria no Brasil”, disse Assis. “É uma grande oportunidade para o setor de energia. Cargas novas têm que ser vistas com bons olhos”, acrescenta Francisco Victer, assessor do gabinete da presidência da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pesquisador da FGV Energia.

Os data centers instalados no país contabilizam carga de 800 MW. O Ministério de Minas e Energia (MME) estima uma demanda potencial de 13,4 GW até 2038, de acordo com o “Painel de Processos de Acesso à Rede Básica” divulgado no fim de junho. Esse montante considera 52 pedidos de acesso à rede de transmissão para projetos localizados no Ceará, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro.

O potencial é ainda maior quando se contam projetos que estão em estudo, mas ainda não têm registrado pedido de parecer de acesso ou os que solicitaram conexão a redes de distribuição. De acordo com a EPE, pedidos de conexão à rede de distribuição da CPFL Paulista envolvem uma demanda de 1,6 GW de data centers. Na CPFL Piratininga, a busca por conexão corresponde a um consumo de 370 MW.

Na visão do presidente da CPFL Energia, Gustavo Estrella, é preciso garantir que o Brasil reúna as condições para atrair os data centers, diante do fato de o país ter energia limpa, barata e renovável. “O tema de data centers está ligado à energia elétrica porque é o principal insumo, e o nosso desafio é atrair essa indústria para o Brasil. Hoje, temos pouco menos de 1 GW (gigawatt) de capacidade instalada e podemos chegar a 15 gigas com IA. O investimento estimado é de mais de US$ 10 bilhões por GW instalado somente nas instalações”, disse o executivo. “Big techs” também manifestaram interesse em instalar novos data centers no país.

O tema de data centers está ligado à energia elétrica porque é o principal insumo, e o nosso desafio é atrair essa indústria para o Brasil” — Gustavo Estrella

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) emitiu no fim de maio os primeiros pareceres de acesso favoráveis para a implantação de dois projetos de data center no Ceará. As centrais serão instaladas no Complexo do Pecém. Um deles ainda depende da realização de obras para reforçar a rede de transmissão. Segundo o órgão, os projetos representam uma carga significativa para o sistema elétrico da região. “O ONS vem buscando formas seguras para atender os pedidos de acesso de grandes consumidores de energia”, disse, em nota, o diretor-geral Marcio Rea.

Um dos projetos autorizados pelo ONS é o da Casa dos Ventos no Porto do Pecém. A empresa recebeu parecer de acesso à rede de transmissão para carga de 300 MW, na primeira fase do projeto, cuja previsão de investimentos supera R$ 50 bilhões. O montante é voltado para a compra de infraestrutura e equipamentos a serem usados no data center.

Segundo a Casa dos Ventos, a energia será fornecida por novos parques eólicos e solares a serem instalados no Nordeste e dedicados a alimentar essa atividade, sem influenciar na oferta atual do país. Para os novos projetos de energia renovável, a empresa prevê investimento adicional de R$ 5 bilhões.

A Casa dos Ventos disse também que o projeto do data center prevê adoção de sistemas de refrigeração em ciclo fechado, reduzindo significativamente a utilização hídrica em comparação a tecnologias tradicionais. “Essa é uma oportunidade concreta para exportar serviços de alto valor agregado e acelerar a transição energética”, disse Lucas Araripe, diretor-executivo da Casa dos Ventos, em nota.

Francisco Victer, da EPE, explicou que nem todo o potencial estimado de data centers pode se concretizar. Muitos deles estão participando de concorrências abertas por “big techs”. Com isso, disse, cinco ou seis empresas de data centers podem estar pedindo ao ONS ao mesmo tempo um parecer de acesso à rede e disputando uma mesma concorrência.

A EPE, disse Victer, trabalha com uma demanda possível de 4 GW no período. Juan Landeira, diretor sênior da A&M Infra, braço de infraestrutura da consultoria Alvares & Marsal, ressalta a previsão da consultoria para entrada de 1,5 GW de novas cargas até 2030, o que significa quase o dobro do consumo dos data centers em operação no país.

Já a Aurora Energy Research projeta que a demanda dos data centers no Brasil alcance aproximadamente 5 GW médios até 2035, o que equivale ao consumo de quase 20 milhões de residências. O montante evidencia o papel central dos data centers na matriz elétrica do país, avalia Borges, da Aurora Energy.

A prefeitura do Rio, por sua parte, deu início a estudos para implantação do projeto “Rio AI City”, um hub de data centers com demanda de energia estimada em 1,8 GW e previsão de iniciar operação comercial até 2027. Expansível, o hub chegaria a 3 GW até 2032.

Alessandro Lombardi, presidente da Elea no Brasil, responsável pela implantação do “Rio AI City”, salienta que os investimentos em data centers não se restringem às centrais, mas se estendem a uma cadeia de fornecedores que incluem equipamentos como quadros elétricos e sistemas de refrigeração, boa parte atendida pela indústria nacional. “O computador vem de fora, mas a grande mobilização no país é na infraestrutura”, afirmou.

O principal entrave para os data centers no país é tributário, na avaliação dos especialistas. A desoneração de impostos federais para a importação de equipamentos de data centers é aguardada com atenção pelo segmento. O governo acenou ao setor, com a criação de um marco regulatório, que inclui a criação do Redata, programa de incentivo à implantação de data centers.

O ponto central é a antecipação de iniciativas da reforma tributária que serão adotadas nos próximos anos, incluindo a desoneração de serviços ligados a data centers. O texto do Redata deve ser levado ao Congresso Nacional. O Ministério da Fazenda estima investimentos de R$ 2 trilhões nos projetos futuros em dez anos.

Lombardi, da Elea, destaca que a iniciativa da Fazenda se torna positiva porque a contrapartida dos data centers é o grande investimento que será feito na indústria brasileira, com as encomendas para atendê-los.

Juan Landeira, da A&M Infra, observa: “Este movimento [de chegada dos data centers] aconteceu mesmo com o Brasil não tendo uma política de impostos e taxação sobre importação de equipamentos e serviços.” Assis, do Lobo di Rizzo Advogados, acrescenta: “[O Redata] É uma iniciativa que também representa um sinal regulatório relevante, que é capaz de atrair a indústria para cá de forma efetiva.”

A transmissão de energia elétrica, vista como gargalo para a conexão de novas cargas, não é o maior problema para os especialistas ouvidos. Eles reconhecem, porém, o desafio de reforçar as redes e implantar novas linhas para transportar a energia do Nordeste, onde está localizada a maioria dos parques eólicos e solares, para o Sudeste, provável destino dos projetos. “O mundo inteiro tem esse problema”, salienta Landeira.

Lombardi, da Elea, destaca que o país não tem problemas graves de infraestrutura que impeçam a instalação de data centers. Basta realizar os investimentos necessários de forma correta, avalia, que não há nada “sério” para ser destravado, quando o Brasil é comparado com outros países.

A preocupação mais recente do setor, porém, é que eventuais retaliações do Brasil às tarifas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, possam aumentar o custo do setor de tecnologia no país, uma vez que muitos dos equipamentos são importados justamente dos EUA.

No mundo, as dificuldades para instalação de data centers não são menores. O executivo da Elea diz que, em abril, a Microsoft pediu acesso à rede para uma carga de energia em Manchester, na Inglaterra, e a Nela, empresa responsável pela infraestrutura de transmissão no Reino Unido, respondeu que só em dez anos poderia garantir o acesso à rede. “Dez anos de prazo para entregar a energia onde eles queriam. Aqui, o pessoal reclama porque demora seis meses para receber o parecer de acesso. Uma coisa boa que o Brasil tem hoje é o setor de energia, superior a qualquer outro país.”

Há, porém, quem veja a instalação de data centers no Nordeste como forma de reduzir riscos de transmissão, já que as plantas ficariam perto das usinas renováveis. Nesse aspecto, a localização poderia ajudar a reduzir, inclusive, o atual problema dos cortes de geração renovável, promovidos pelo ONS, segundo Eduardo Sattamini, presidente da Engie.

No entanto, a chegada dos data centers tem que ser coordenada com o sistema de transmissão, observa Sattamini. “Novas cargas vêm para aliviar essa questão. É o ideal para absorver o excesso de capacidade”, afirmou o executivo, no início de maio. Porém, para Rodrigo Borges, da Aurora Energy, o perfil da demanda será decisivo no setor elétrico nos próximos anos.

Data centers são, por natureza, caracterizados pelo funcionamento ininterrupto – 24 horas por dia, sete dias por semana. Esse perfil, aponta Matheus Dias, pesquisador sênior associado da Aurora Energy, gera descompasso com a oferta baseada em eólica e solar, que tem característica intermitente. “Perfis que acompanham os padrões de geração podem reduzir o ‘curtailment’ [cortes] em até 55%, enquanto uma demanda de carga ‘base’ pode agravar o problema”, afirmaram os especialistas da Aurora.

 

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