Sábado, 2 de Agosto de 2025

Mercado de eletroeletrônicos do Brasil entra na mira dos chineses, depois do tarifaço de Trump

O mercado brasileiro de eletroeletrônicos entrou na mira dos fabricantes chineses, especialmente depois do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. No auge da briga comercial entre as duas maiores potências do mundo, Washington impôs tarifas de até 140% sobre produtos importados da China — numa tentativa de frear a presença chinesa no mercado americano e proteger a indústria local.

Embora parte dessas tarifas tenha sido posteriormente reduzida, muitas restrições seguem em vigor. Diante desse cenário, empresas chinesas intensificaram a busca por novos mercados, e o Brasil, com seu grande potencial de consumo e demanda crescente por tecnologia, passou a ocupar lugar de destaque nessa estratégia.

Nesse período de transição de alíquotas, economistas e importadores já observaram indícios de um aumento da entrada de eletroeletrônicos chineses no Brasil, provavelmente para diversificar os mercados.

“Há evidências de aumento de market share chinês em determinados produto, o que neste momento de guerra comercial, parece estar associado a um desvio de comércio (de itens chineses) para o mercado local”, afirma o economista Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).

Houve, de acordo com o economista, uma aceleração das importações de bens de consumo duráveis, de eletrodomésticos, portáteis e smartphones fabricados na China. No acumulado até maio deste ano, as importações de lava-louças e aspiradores de pó chineses, por exemplo, cresceram 27% em valor na comparação com o mesmo período de 2024, segundo dados do Indicador de Comércio Exterior (Icomex) da FGV, diz o economista. Nas mesmas bases de comparação, aumentaram 52% as importações de secadores de cabelo, 33% no caso do ferro de passar roupa, 40% no forno de micro-ondas e 18% nos smartphones.

Essas taxas de crescimento de importações chinesas, segundo Ribeiro, estão fora do padrão usual. Inclusive, ele destaca que essa maior entrada de bens duráveis importados pode ser uma das razões para que os preços do grupo eletrodomésticos e equipamentos tenham registrado deflação de 0,86% nos últimos 12 meses até maio. Segundo o economista, esse é um dos poucos grupos de bens comercializáveis que tem tido esse comportamento no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial da inflação do País.

João Carmo, economista da MCM 4intelligence, faz uma avaliação semelhante em relação ao avanço dos chineses nas importações de bens duráveis. Ele observa crescimento significativo em abril e maio deste ano em relação ao mesmo período de 2024 nas entradas de eletrodomésticos, computadores e suas partes e instrumentos e aparelhos óticos vindos da China.

“Há uma tendência de crescimento no valor importado de alguns eletroeletrônicos com origem chinesa há algum tempo”, diz ele. É bem razoável supor que o tarifaço possa fortalecer essa tendência, uma vez que os vendedores chineses devem buscar outros destinos para seus produtos, acrescenta o economista.

A Associação Brasileira de Importadores (Abimp), que reúne 34 entidades do setor, informa, por meio de nota, que os fabricantes chineses redirecionaram sua estratégia, ampliando significativamente sua presença em mercados da América do Sul, Central, Europa e Sudeste Asiático. A constatação está baseada em informações obtidas junto aos portos por onde essas mercadorias entram no País.

A entidade diz que esse movimento “é perceptível tanto no volume de produtos importados quanto na consolidação de marcas como Xiaomi, TCL, Hisense e Huawei, que hoje têm forte participação no mercado brasileiro, em categorias como smartphones, smart TVs e dispositivos conectados”.

Invasão na prática
Quem visitou a maior feira de eletroeletrônicos, na última semana de junho, em São Paulo, a Eletrolar Show, ficou surpreso com a invasão chinesa. Nas contas dos organizadores, o número de companhias com sede no país asiático que participaram da 20ª edição da feira cresceu 15% neste ano em relação à edição anterior. O evento deste ano reuniu o maior número de empresas chinesas, informam os organizadores.

Carlos Clur, CEO da Eletrolar, diz que o pavilhão com expositores chineses sempre existiu. Ele pondera que o número de expositores vindos do país asiático aumentou porque a feira cresceu em 2025. Isto é, inaugurou um pavilhão novo com fornecedores mundiais nas categorias de utilidades domésticas, mobilidade elétrica e autopeças, onde os chineses são fortes.

“Vejo as tarifas (impostas pelos EUA) como uma oportunidade”, diz Clur. Ele lembra que na primeira gestão de Donald Trump à frente do governo dos EUA foram impostas tarifas, e os Estados Unidos começaram a comprar da América Latina. “Hoje, novamente os EUA estão procurando produtos da América Latina, o que é positivo, e também a China está olhando mais para a América Latina, como mercado importante.”

Luo Jin, gerente de vendas da Guangdong Westa Electrical Appliances & Technology Co., Ltd, fabricante de fornos elétricos, máquinas de café e batedeiras, por exemplo, disse ao Estadão que veio para a feira para ampliar as vendas diretas para o Brasil.

Uma das razões, segundo ela, foram as tarifas impostas por Donald Trump aos produtos chineses. “Queremos substituir a perda de cota para o mercado dos Estados Unidos, ampliando as exportações diretas para novos mercados”, afirmou Luo.

Outra fabricante chinesa, a Hansuo Audio, que produz caixas de som, participou pela primeira vez da feira, contou Cavey Li, diretor-geral da empresa. O motivo da vinda ao Brasil é o potencial de mercado, porque “os brasileiros gostam muito de música”. Ele disse que a empresa não foi muito incomodada pelo tarifaço de Trump.

Também a Iton, que fabrica smartwatchs e AirTags (sensores de localização de curta distância semelhante ao Apple AirTag) estreou no evento neste ano. A companhia chinesa foi fundada em 2006 e desde 2014 tem capital aberto na bolsa de Pequim.

Céline Yun Lee, head de smart wearable da Iton, disse que o tamanho do mercado brasileiro atraiu a empresa para o evento. Ela ponderou que o tarifaço de Trump tem impulsionado companhias chinesas para a América do Sul.

Segundo a reportagem apurou, enquanto as companhias de médio porte querem vender seus produtos no mercado brasileiro por meio de importadores, grandes indústrias estão à procura de parcerias com fabricantes locais para produzir no Brasil.

Procurada, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) informa que, até o momento, não percebeu nenhuma alteração relevante no nível de importações da China. A Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) não forneceu dados sobre os efeitos das importações no setor.

 

Compartilhe: