Sábado, 2 de Agosto de 2025

Clima esquenta em eleição para conselho da Eletrobras

 Nas últimas semanas, a disputa para o conselho de administração da Eletrobras, a maior empresa de energia elétrica do país, escalou entre a própria empresa e um grupo de candidatos dissidentes, capitaneados pelo advogado Marcelo Gasparino. Nos bastidores e em cartas públicas, o tom subiu com questionamentos de lado a lado. 

 Ontem, a Eletrobras divulgou comunicado informando que aplicou uma terceira advertência a Gasparino em razão de publicações feitas por ele no Linkedin que violariam normas do código de conduta e do regimento interno do colegiado. As outras duas haviam sido em 16 e 28 de março, segundo a empresa. Procurado, Gasparino reafirmou o compromisso com a “transparência e a ética”. Disse que ambas são pilares da atividade dele como conselheiro, pautada na defesa dos interesses da Eletrobras e dos investidores. 

 Na semana passada, houve outra discórdia, envolvendo a empresa de recomendação de voto Institutional Shareholder Services (ISS). A ISS sugeriu voto em candidatos alternativos aos apresentados pela Eletrobras, o que irritou a empresa. Em carta aos acionistas em 22 de abril, o presidente do conselho de administração da companhia, Vicente Falconi, disse que a empresa discorda da recomendação da ISS, que “favorece de forma desproporcional os candidatos dissidentes”. E acrescentou que a ISS recomendou alterar quase 50% do conselho. Em resposta, na rede social Linkedin, Gasparino rebateu o argumento dizendo que a renovação de nomes seria de apenas 16%. 

 Empresas de recomendação de voto como a ISS são usadas por grandes investidores para votar em assembleias. Procurada para comentar o caso, a ISS não retornou até o fechamento desta edição. Na Assembleia Geral Ordinária (AGO) da Eletrobras, nesta terça-feira (29), há 15 candidatos para 10 vagas no colegiado, que define diretrizes de médio e longo prazos da companhia, cuja privatização foi concluída em junho de 2022. 

 A temperatura em torno da eleição para o colegiado que vai comandar os rumos da Eletrobras pelos próximos dois anos (2025-2027) começou a subir em 28 de março, quando a empresa divulgou uma lista com 11 candidatos por ela indicados. Horas depois, acionistas da Eletrobras, descontentes com a nominata, lançaram mais três nomes. E, em 9 de abril, surgiu um quarto candidato alternativo à lista da empresa. Estava configurada assim a disputa pelas vagas e o clima esquentou. 

 Nos bastidores, há preocupações entre fontes sobre o resultado da eleição em uma empresa que se tornou privada há pouco tempo e que, mesmo depois da desestatização, foi alvo de questionamentos do atual governo, que sempre pleiteou mais espaço nas decisões da companhia. O governo tem cerca de 45% da Eletrobras, mas só pode votar em assembleia com 10% do capital, assim como outros acionistas. Essa foi uma medida tomada na privatização para atrair investidores privados para a companhia. 

 Insatisfeito, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a limitação de 10% no Supremo Tribunal Federal (STF). A discussão foi levada à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) com o intuito de chegar a um acordo entre as partes. Em 26 de março, o acordo foi formalizado. Pelo entendimento, a União seguiu limitada a 10% nas votações em assembleias, mas poderá aumentar as vagas no conselho. 

 Antes da AGO, será realizada, também na tarde de amanhã, uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE), na qual os acionistas da Eletrobras vão deliberar sobre o acordo. A decisão dos investidores, se aprovam ou não o acordo, terá influência direta na eleição. 

 O conselho de administração da Eletrobras, cujo mandato termina nesta terça-feira (29), foi eleito logo depois da privatização, em 2022, para um período de três anos. Esse colegiado é formado hoje por nove integrantes, sendo que só um deles foi indicado lá atrás pelo governo. É o advogado Marcelo Siqueira, que na ocasião também teve apoio de investidores privados. Em fevereiro de 2025, a Eletrobras alterou o estatuto social e ampliou para dez o número de vagas no conselho. 

Na AGO, haverá dez vagas para quinze candidatos, dos quais três são do governo

 Quando a Eletrobras divulgou a lista de candidatos em 28 de março, três nomes vieram do governo: os ex-ministros de Minas e Energia Silas Rondeau e Nelson Hubner e o atual diretor de transição energética da Petrobras, Mauricio Tolmasquim. Os três devem ser eleitos desde que o acordo seja aprovado, hipótese tida hoje como a mais provável. A eleição do trio será em separado dos demais candidatos. 

 Se o acordo não for aprovado, não haverá eleição em separado para os nomes da União e, portanto, o governo só conseguiria eleger dois nomes, provavelmente Rondeau e Tolmasquim. Nesse caso, também entraria na disputa a contadora Vanessa Claro Lopes, indicada pela Eletrobras. Para o conselho fiscal da empresa, o governo havia apontado o ex-ministro Guido Mantega, mas o colunista Lauro Jardim, de “O Globo”, antecipou que o governo deve substitui-lo. 

 Se o trio do governo for eleito, ainda vão restar sete nomes da lista original apresentada pela empresa. Seis deles vão concorrer peos detentores de ações ordinárias (ONs). São Vicente Falconi, Marisete Pereira, Felipe Villela Dias, Daniel Alves Ferreira, Ana Silvia Corso Matte e Carlos Márcio Ferreira (ver quadro ao lado). 

 Esses postulantes terão de enfrentar três candidatos propostos por acionistas: Marcelo Gasparino, Afonso Henriques Moreira Santos e José João Abdalla. “Juca” Abdalla, como é conhecido, vai precisar de um aval dos acionistas na AGO para se eleger, caso alcance o número de votos necessários, uma vez que ele também ocupa assento no conselho da Petrobras. A situação passou a ser considerada conflitante pela Eletrobras, embora Abdalla não tenha aberto mão da vaga na petroleira. O empresário tem cerca de 2% da Petrobras e algo como 4% da Eletrobras.

 Outro candidato apontado pela Eletrobras é o investidor Pedro Batista, que vai concorrer pelas ações preferenciais e terá que enfrentar Rachel Maia, outra candidata dos dissidentes. 

 Há boas chances de que a eleição pelas ONs se dê pelo voto múltiplo, sistema que permite concentrar votos em candidatos. Para pedir a instalação dessa modalidade, os acionistas precisam reunir pelo menos 5% das ações ordinárias. Até o fechamento desta edição, o percentual não havia sido alcançado. 

 A AGOE da Eletrobras deste ano lembra a assembleia da Vale em 2021, quando a lista de candidatos da empresa acabou desfeita depois de acionistas da mineradora lançarem nomes por fora, entre os quais também estava Gasparino. O período que se seguiu à eleição foi conturbado no conselho da Vale. Ambas as empresas – Vale e Eletrobras – têm capital pulverizado, sem controle acionário definido. 

 Há no mercado agora quem entenda que um eventual alinhamento entre conselheiros do governo e dos candidatos dissidentes crie na Eletrobras uma maioria de votos em temas de interesse da União. Procurado, Gasparino afirmou: “Construí minha trajetória como conselheiro de administração profissional com atuação em 15 companhias abertas”. Afirmou que divergências no conselho jamais comprometeram o compromisso institucional dele. 

 Gasparino seguiu: “Caso reeleito, manterei minha atuação independente, orientada à construção de consensos. O conselho deve ser um espaço de fortalecimento institucional e não de divisão”. A Eletrobras disse que só se manifestaria via documentos divulgados na B3 e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

 

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