Sábado, 2 de Agosto de 2025

Tarifas de Trump devem ter efeitos mistos na indústria latino-americana de TIC

A imposição de uma tarifa básica de importação de 10% na maioria dos países latino-americanos pelo governo Donald Trump nos EUA está levando os executivos de empresas de TIC a calcular as possíveis consequências.

Analistas esperam efeitos mistos para a indústria local se as tarifas forem implementadas conforme anunciado em 2 de abril.

No que diz respeito aos serviços de dados e infraestrutura, como datacenters, fibras e cabos submarinos, as tarifas podem reduzir o apetite das empresas de tecnologia em instalar datacenters de IA focados em serviços de exportação na América Latina, de acordo com fontes do setor.

Outros, no entanto, destacam a atratividade da região para esses projetos, devido, entre outras coisas, à disponibilidade de energia relativamente barata e renovável, ao acesso a terrenos e, em países como o Brasil, a um sistema de transmissão integrado.

“As tarifas do Trump não resolvem o gargalo de energia dos EUA. São coisas diferentes”, disse à BNamericas uma fonte em cargo executivo do setor de datacenters, com operações na América Latina.

“Pode até ser que as big techs procurem investir mais lá por uma perspectiva política, por alinhamento com o governo. Mas questões para projetos de cloud, como menor latência para consumidores e empresas que estão espalhados pelo mundo e formam a base de clientes destas empresas, continuarão presentes”, acrescentou.

Alguns executivos mencionam a natureza de soma zero das tarifas dos EUA, enquanto outros acreditam que a região poderia se beneficiar de tarifas mais baixas do que outras e atrair mais investimentos em tecnologia e software.

FIBRA

No setor de fibras e cabos, a multinacional japonesa Furukawa, cujas operações de fibra foram recentemente unificadas e renomeadas como Lightera, ainda está descobrindo como será afetada.

Líder de mercado no segmento, a Furukawa/Lightera tem plantas no Brasil, México, Japão e EUA, entre outros. No entanto, nem todas produzem os mesmos produtos para os mesmos segmentos.

Ainda assim, espera-se que essa frota de plantas tenha algumas vantagens, e a empresa estabeleceu que algo produzido em uma unidade será transferido para um país onde a tarifa é menor.

“A nossa presença global reduz e evita alguns problemas, mas o Japão recebeu uma taxa de 24% na exportação para os EUA, por exemplo. Ainda não está claro quais produtos vão ter exceção. Porque haverá exceção”, afirmou Foad Shaikhzadeh, presidente e CEO global da Lightera, em coletiva de imprensa nesta quinta-feira (3), em resposta a uma pergunta da BNamericas.

As fábricas de fibras da América Latina também poderiam se beneficiar de tarifas mais altas em outros lugares.

A Furukawa exporta principalmente cabos LAN ópticos de suas fábricas na América Latina para os EUA, enquanto os principais concorrentes da empresa estão localizados em países asiáticos, os quais foram atingidos por tarifas mais altas.

Shaikhzadeh acredita que os EUA não têm produtos importantes para a indústria para consumo imediato e que praticamente todas as grandes empresas de tecnologia nos EUA usam cabos e fibras japonesas. O executivo também mencionou cabos submarinos como uma possibilidade de desvantagem. Sob o atual regime de produção principal, parte dos sistemas de cabos submarinos é produzida na Europa e parte nos EUA.

“A questão é que um cabo submarino atravessa territórios neutros”, explicou.

Por isso, os clientes da Furukawa, que incluem empresas que instalam esses cabos, desfrutam normalmente de isenções tarifárias. Resta saber se isso seguirá assim, segundo o executivo, que acrescentou que a equipe de comércio e conformidade da empresa está trabalhando “26 horas por dia” para avaliar os impactos.

O mesmo provavelmente se aplica à italiana Prysmian, que opera uma das principais fábricas de fibra ótica da América Latina, localizada em Sorocaba, no interior de São Paulo.

A empresa também possui uma fábrica em Durango, no México, cujas operações estavam paralisadas e que agora pode ganhar um novo impulso para retomar suas operações.

Por outro lado, os concorrentes chineses no segmento de fibra há muito enfrentam restrições para vender para os EUA, incluindo altas tarifas de importação. Eles também estão sujeitos a medidas antidumping na Europa. Com preços ainda mais altos para exportar para o mercado norte-americano, estes produtos podem desembarcar na América Latina.

ELETRÔNICA

A indústria elétrica e eletrônica brasileira também vê impactos potencialmente positivos e negativos.

Para a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), as tarifas sobre produtos de vários países, incluindo os maiores concorrentes do Brasil no setor elétrico e eletrônico, representam uma oportunidade estratégica.

“Com a imposição de taxas elevadas, como as de 46% sobre os produtos vietnamitas, 34% sobre os chineses e 20% sobre os europeus, o Brasil se encontra em uma posição competitiva relativamente vantajosa, com uma sobretaxa de 10% – similar à de outros países como Reino Unido, Turquia, Costa Rica e Argentina”, declarou a organização em um comunicado.

“Essa configuração coloca o País em igualdade de condições com outros concorrentes, e pode abrir portas para um aumento das exportações de produtos do setor elétrico e eletrônico para os EUA, especialmente de países que estão sendo fortemente sobretaxados pelos norte-americanos”, completou.

Por outro lado, o cenário também traz riscos para a indústria local, já que países como China, Coreia do Sul e Vietnã devem redirecionar suas exportações para outros mercados.

“O Brasil não deve entrar nessa guerra tarifária, mas deve sim se armar para enfrentar uma concorrência ainda maior no mercado interno”, disse ainda a Abinee.

A entidade destacou também que, com novo ímpeto trazido pela assinatura do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia – conforme sugerido por políticos franceses –, o Brasil poderá aumentar suas exportações para a Europa, aproveitando a crescente demanda por produtos manufaturados.

A associação vê um “momento único”, tanto para salvaguardar medidas de proteção da indústria local e estimular a competitividade, quanto para consolidar o Brasil como um destino Seu presidente, Humberto Barbato, defende que o país reduza a burocracia e os custos com investimentos estrangeiros.

 

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