Indústria se aproxima da retomada com estoques perto de zero
Valor Econômico - 27/07/2021

 Em meio às projeções de maior aquecimento econômico nos próximos meses, com possibilidade de maior demanda, os estoques da indústria de transformação até junho de 2021 operavam no limite, sem recuperar patamar pré-pandemia. O alerta é da pesquisadora Claudia Perdigão, da Fundação Getulio Vargas, que elaborou estudo sobre o tema, com base em dados da Sondagem da Indústria da FGV. 

 De acordo com a especialista, em junho, o saldo de estoques da indústria de transformação, na sondagem, ficou em 1,5 ponto negativo, muito próximo de zero, o que sinaliza “perfeito equilíbrio”, com oferta igual à demanda. A média histórica, antes da pandemia, para saldo de estoques na indústria de transformação, é mais distante de zero, em 5,2 pontos negativos, disse a pesquisadora. 

 O atual cenário reflete combinação de custo de produção mais alto, em especial a energia, em ambiente de falta de insumos. Isso desestimula estocagem alta entre as indústrias, disse Claudia. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) confirmaram ao Valor, respectivamente, a existência de estoques abaixo do normal e demanda alta em seus segmentos. Os estoques em baixa afetam empresas nacionais, como a Agrale, de chassis e tratores, e também multinacionais, caso da AGCO Corporation no Brasil e a John Deere, fabricantes de máquinas agrícolas. 

 

 

 Na pesquisa, foi perguntado a 1.098 empresas se os estoques, em junho, estavam “normais, excessivos ou insuficientes”: 8,6% informaram “insuficiente”; 10,1%, “excessivo”, e o restante, “normal”, com estoque suficiente para atender à procura. O cálculo é feito da seguinte forma: toma-se a parcela das empresas que consideram os estoques “insuficientes” e se diminui dela a fatia das companhias que avaliam os estoques como “excessivos”. Chega-se então a um saldo. Se o resultado for negativo, como no caso em questão, significa que a maioria das empresas declarou estoques acima do normal. 

 O indicador negativo, de 1,5 ponto em junho, por ser muito próximo de zero e bem distante da média histórica para o setor, não é motivo de comemoração, disse a pesquisadora. Ocorre que, diferentemente do ano passado quando a indústria também operava com estoques baixos, não havia perspectiva de crescimento econômico mais aquecido. Em maio, a produção industrial cresceu 1,4% ante abril após três meses de queda, segundo o IBGE. “Em um contexto de retomada e de choque de oferta, tanto pela escassez de insumos quanto pela crise energética, esse estoque mais baixo gera preocupação” constatou ela. 

 Um exemplo é o saldo de bens de capital na indústria de transformação. Em junho, a parcela dos que declararam “excessivos” os estoques ficou em 16,4%, sendo 9,1% a fatia dos que os classificaram como “insuficientes”. O saldo nesse caso foi de 7,3 pontos negativos, distante da média histórica do segmento de 13 pontos negativos. “Quando bens de capital estão escassos afeta toda a cadeia produtiva”, disse Claudia Perdigão. 

 A diretora de economia, estatística e competitividade da Abimaq, Maria Cristina Zanella, preferiu não falar sobre estoques, visto que a entidade não tem indicador sobre o tema. Informou, no entanto, que não deve “faltar máquinas”. Admitiu ainda que, atualmente, a demanda está aquecida para máquinas e equipamentos, cenário que deve continuar até o fim do ano. De maio de 2020 a maio de 2021, a Abimaq registrou alta de 40% na receita do setor, afirmou. 

 O diretor de vendas da Agrale, Edson Sixto Martins, disse que a demanda está alta em todos os segmentos que a empresa trabalha: tratores agrícolas, chassis para microônibus, caminhões e utilitários 4x4. “Os estoques estão baixos”, admitiu o executivo. A Agrale tem cinco unidades fabris, quatro no Brasil e uma na Argentina. Ele não quis citar números de desempenho da companhia. Mas observou que o setor industrial como um todo vem passando por sucessivas crises e que, um dos ajustes feitos pelo segmento, com o passar dos anos, foi o de equilibrar estoques e compras de matéria prima, cada vez mais cara, para lidar com esse cenário. 

 No caso da crise causada pela pandemia, não foi diferente. Um dos aspectos que prejudicam a estocagem é a falta de insumos, no mercado, afirmou. “Se tem alta demanda em função de crescimento, a demanda aumenta rápido e você não tem plástico, borracha, que são as bases da nossa indústria para chegar ao produto final”, disse. 

 Rodrigo Junqueira, gerente-geral da AGCO América Latina, afirmou que o estoque de toda a indústria, hoje, é “muito baixo”. O executivo da empresa, cuja matriz está sediada nos Estados Unidos e teve receita líquida global de US$ 9,1 bilhões em 2020 (a empresa não abre dados regionais), afirmou que a possível recomposição de estoques similar ao que era na pré-pandemia seria possível somente ao término do segundo semestre. “Boa parte do que estamos produzindo agora já tem comprador”, disse o executivo. A AGCO tem seis fábricas no Brasil. 

 A John Deere disse que o planejamento é algo fundamental no cenário de hoje, segundo Alfredo Miguel Neto, diretor de assuntos corporativos da empresa para a América Latina. “É essencial que os clientes planejem os investimentos e iniciem as negociações com antecedência nos prazos de entrega das máquinas.” 

 Fora de bens de capital, os estoques em baixa também são percebidos. Em sondagem da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), entre os dias 1º e 15 de julho, com 80 empresas observou-se elevação de 20% para 26% em parcela de empresas com estoques de componentes e matérias-primas abaixo do normal. 

 No primeiro trimestre, os estoques foram destaque no PIB do período. A coordenadora de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Rebeca Palis disse, na ocasião, que a variação positiva em estoques estaria relacionada à agropecuária e ao estoque de soja não exportada. O plantio e a colheita atrasaram, o que retardou embarques.