É preciso “desdramatizar” abertura, diz Ferraz
Valor Econômico - 04/06/2021

Humberto Barbato, representante da indústria eletrônica: condições desvantajosas de competitividade do país — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Humberto Barbato, representante da indústria eletrônica: condições desvantajosas de competitividade do país — Foto: Silvia Zamboni/Valor

 É preciso “desdramatizar” as discussões sobre abertura comercial do Brasil, disse ao Valor o secretário de Comércio Exterior, Lucas Ferraz. “O Brasil não vai fechar acordo com Coreia amanhã, nem com o Vietnã, nem com a Indonésia, nem vai acabar com Mercosul”, afirmou. “São falsas narrativas criadas por grupos específicos que ganham com o status quo.” 

 A afirmação vem após uma semana em que representantes da indústria intensificaram alertas sobre o risco de prejuízos ao país a partir de acordos com Coreia, Cingapura, Indonésia e Vietnã. E dias antes de uma reunião do Mercosul em que o Brasil insistirá na redução unilateral, em 10%, das alíquotas do Imposto de Importação. 

 “Não estamos ganhando nada”, reagiu o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato. Ele aponta para as condições desvantajosas de competitividade do país como centro das preocupações do setor. Um produto fabricado aqui chega na Argentina mais caro que um fabricado na China, disse. “Não somos acomodados, a nossa tecnologia da porteira para dentro é igual à da Coreia.” 

 Acordos comerciais estão no centro da agenda da indústria, afirmou o gerente de Políticas de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Panzini. No entanto, estudos mostram que os ganhos com a exportação de mais produtos básicos para a Ásia serão suplantados com folga pelo crescimento nas importações de produtos manufaturados. Assim, a prioridade deveria ser dada a outros parceiros, como Estados Unidos, Canadá, México e América Central. 

 Segundo a CNI, um acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul ampliaria o déficit na balança de produtos industrializados em US$ 8,7 bilhões. A exportação de básicos subiria só US$ 1,8 bilhão. 

 O Ministério da Economia calcula que os acordos com Coreia do Sul, Cingapura, Vietnã e Indonésia acrescentarão R$ 502 bilhões ao PIB brasileiro até 2040. O conjunto de acordos negociados ou em negociação no atual governo teriam impacto de R$ 1,7 trilhão no período, estima a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). 

 “Não podemos simplesmente dar as costas à região que mais cresce no mundo”, disse Ferraz, referindo-se à Ásia. Os ganhos, diz, estão não só no comércio mas também no acesso ao mercado regional. Isso porque os países asiáticos já têm acordos entre si. Ao negociar isoladamente, o país ganha a possibilidade de fazer uma negociação sob medida. 

 Por exemplo, o Brasil propôs que a abertura do mercado para os asiáticos seja gradual, ao longo de 20 anos. Considerando esse prazo mais o período de negociação, são perto de 25 anos até a abertura completa, calcula Ferraz. 

 “Em 30 anos, não sei se estaremos vivos”, reagiu Barbato. Na segunda-feira, em reunião da Coalizão da Indústria, ele disse ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que há uma “obstinação” de sua equipe em abrir a economia, ao mesmo tempo em que o ministro promete “reindustrializar” o país. 

 Questionado sobre esse ponto, Ferraz disse que o propósito da abertura é fortalecer a indústria brasileira. Para ser grande exportadora, disse ele, a indústria tem de ser grande importadora também. O secretário informou que um produto manufaturado brasileiro tem de 10% a 12% de conteúdo importado, enquanto os fabricados na Ásia agregam de 30% a 35%. 

 No entanto, na visão da indústria, a integração às cadeias globais resolve apenas uma parte pequena dos problemas de competitividade dos produtos brasileiros. “Mesmo onde temos acordos, como na América do Sul, temos perdido mercado”, ponderou Panzini. “Esse cenário mostra que a agenda de acordos é importantíssima, mas deve andar paralelamente com a agenda de reformas estruturais, em especial a tributária, e de outras medidas para reduzir o Custo Brasil.” 

 O governo sustenta que o Custo Brasil caiu perto de 10% com medidas já adotadas, como a aprovação dos novos marcos regulatórios do gás e do saneamento, a nova lei de falências, a reforma da Previdência e a independência do Banco Central. 

 É com base nessa redução que o Ministério da Economia vê espaço para cortar unilateralmente, em 10%, as alíquotas do Imposto de Importação do Brasil. Essa proposta será discutida na próxima terça-feira, em reunião do Mercosul. 

 A Argentina é contra e propôs um desenho diferente: reduzir em 10% as alíquotas de 4 mil itens, de um total de 10 mil. O Brasil quer um corte linear. 

 Diante desse impasse, há dois possíveis desfechos. O primeiro, esperado pelo Brasil, é a Argentina apresentar uma contraproposta. O segundo é o Mercosul decidir que cada sócio faça a abertura a seu ritmo. 

 Ferraz nega que essa medida vá atacar um pilar de sustentação do bloco. “Não há nenhuma expectativa de o Brasil sair ou causar algum dano ao Mercosul”, afirmou. “O Mercosul é muito importante para o setor produtivo nacional.”