Ministro do STF derruba em liminar extensão automática de patentes para remédios
O Globo Online - 07/04/2021

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu nesta quarta-feira (7) uma liminar que suspende, para fármacos e equipamentos médicos, a validade de um trecho da lei de patentes que prorroga o prazo de vigência da proteção de invenções no país, em média, por três anos e meio.

A liminar de Toffoli tem caráter provisório, até que o plenário julgue o tema, que estava pautado para esta quarta, mas foi reagendado para o dia 14.

A liminar ocorre no âmbito de uma ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) desde 2016. O órgão argumenta que o parágrafo da lei que prorroga a vigência de patentes para compensar a demora do INPI é inconstitucional.

Toffoli é o relator do caso, e a liminar tem impacto no acesso da população a medicamentos a preço mais baixo, os genéricos, e pode reduzir o gasto do SUS.

— A decisão do ministro Toffoli tem validade imediata para medicamentos. Na prática, as patentes que estão em extensão perdem a sua validade — diz o advogado Marcus Vinícius Vitor, do Grupo Farma Brasil, entidade que reúne laboratórios nacionais, grandes fabricantes de genéricos que se beneficiam com a medida.

Hoje, 46,6% das patentes vigentes no país estão amparadas no dispositivo que prorroga o prazo de concessão, segundo dados do INPI compilados pelo escritório de advocacia Licks, que atua no processo representando entidades contrárias à tese da PGR.

Se houver efetiva mudança na lei, setores como o de telecomunicações, a indústria eletroeletrônica e o agronegócio também serão afetados. Entidades como a Abinee, da indústria eletrônica, e a Interfarma, que representa laboratórios internacionais, são contra a mudança na norma.

Pela lei atual, patentes de invenções têm duração de 20 anos, contados a partir da data em que o pedido de proteção é registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). O parágrafo único do artigo 40, no entanto, prevê que a vigência da patente, ou seja, o prazo a partir da concessão do INPI, não pode ser inferior a dez anos.

Apesar dos avanços, a burocracia do INPI pode demorar mais de uma década. Para garantir que a vigência da patente tenha no mínimo dez anos, o período de proteção das invenções acaba sendo prorrogado.

Em sua decisão, Toffoli acata um pedido de liminar feito pela PGR em março. Para o ministro, "na situação específica das patentes de uso em saúde, o interesse social milita em favor da plena e imediata superação da norma questionada (pela PGR)".

O ministro também deu um ano para que o INPI contrate "servidores com o fito (objetivo) de compor quadro de pessoal adequado à grande demanda do órgão".

Toffoli usou o exemplo do remédio Vonau Flash, da Universidade de São Paulo (USP), que teve seu pedido de patente formalizado em 2005 e concedido em 2018. Com a decisão do ministro, a patente está assegurada até 2025, 20 anos depois da formalização do pedido. Sem a decisão dele, ela valeria pelo menos até 2028, ou seja, dez anos após a concessão da patente.

Toffoli também citou auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) segundo a qual o Brasil leva mais tempo que a média mundial para conceder uma patente. Além disso, afirmou Toffoli, o INPI tem uma defasagem de recursos humanos.

"No INPI, os pedidos de patentes são classificados por área tecnológica, havendo 20 divisões de exame técnico. Considerando essas divisões, as que possuem maior tempo médio de decisão e acima da média atual do INPI são Telecomunicações (10,1 anos), Biofármacos (9,9 anos), Fármacos I (9,7 anos), Fármacos II (9,2 anos), Biotecnologia (9,1 anos), Mecânica (8,8 anos), Necessidades Humanas (8,4 anos), Computação e Eletrônica (8,2 anos). Ressalte-se que esses dados dizem respeito somente ao tempo médio de análise, havendo situações em que esse tempo ultrapassa em muito tais patamares médios", anotou o ministro.

A decisão de Toffoli não diz respeito apenas à Covid-19, mas ele leva em consideração a situação do sistema de saúde em razão da pandemia: "Nesse contexto, o prolongamento indevido dos prazos de patente reveste-se de caráter injusto e inconstitucional, por privilegiar o interesse particular em detrimento da coletividade, impactando de forma extrema a prestação de serviços de saúde pública no país e, consequentemente, contrariando o direito constitucional à saúde."

Segundo o ministro, a indeterminação de prazo gera insegurança jurídica. "De fato, há consenso internacional de que o prazo de 20 anos a contar da data do depósito é a medida ideal para a vigência de uma patente, sendo esse o parâmetro adotado de forma geral pelos países considerados nos estudos que embasam esse voto. Quanto mais o período de vigência patentária ultrapassar o parâmetro de 20 anos, maior será o desequilíbrio entre os interesses do inventor e os interesses de toda a coletividade de gozar dos benefícios de uma invenção em domínio público", diz trecho da decisão.

Um estudo da UFRJ publicado ano passado, que analisa o efeito da extensão de patentes em nove medicamentos comprados pelo SUS, verificou um gasto com a compra dos remédios de R$ 10,6 bilhões entre 2014 e 2018. Segundo a pesquisa, a economia potencial projetada caso a extensão de patentes não existisse seria de R$ 3,9 bilhões.