Mudança na Lei de Patentes ameaça economia
Valor Econômico - 31/03/2021

Em um momento em que o Brasil é visto com desconfiança por investidores e empresários, a atração de capital para a geração de postos de trabalho e iniciativas de inovação é fundamental. No entanto,o que se vê é mais um sinal de alerta que pode afetar grandes setores produtivos e, particularmente nos negócios em torno de telecomunicações, gerar um impacto bilionário.

Está previsto para 7 de abril o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5529/DF, que poderá invalidar ou declarar extintas em torno de 47% de todas as patentes de invenção vigentes no Brasil — quase 31 mil, de empresas de diversos setores. Também estão em risco 12.667 pedidos de patente depositados no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e que já esperam por análise há mais de dez anos.

Para discutir esse tema, o Valor realizou na segunda-feira dia 29 a live “Os impactos do julgamento da Lei de Patentes pelo STF”. Ela reuniu o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e os especialistas Otto Licks, sócio do Licks Attorneys, Christian Lohbauer, presidente executivo da CropLife Brasil, Humberto Barbato, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e Gesil Sampaio Amarante Segundo, presidente do Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transparênciade Tecnologia (Fortec). A mediação foi de Bernardo Mello Franco, colunista de O Globo.

O prazo das patentes é regido pelo Artigo 40 da LPI, que define que as patentes de invenção vigoram por 20 anos e as de modelo de utilidade, por 15 anos contados da data em que o pedido é depositado no INPI. A ação no STF questiona a constitucionalidade do parágrafo único do Artigo 40, que prevê que o prazo de vigência não será inferior a dez anos para patente de invenção e a 7 anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão.

“USAR A PANDEMIA E UMA FALÁCIA, SIGNIFICA A NULIDADE COMPLETA DO NOSSO PAÍS EM RESPEITAR MARCOS LEGAIS. À UNICA ARMA PARA LIDAR COM O VÍRUS SAO AS VACINAS.”

LUIZ HENRIQUE MANDETTA EX-MINISTRO DA SAÚDE

A Adin 5529 foi ajuizada em 2016 por Rodrigo Janot, à época procurador--geral da República (PGR), em resposta a um pedido da associação que representa a indústria farmacêutica de genéricos. 

Mais recentemente, o atual PGR, Augusto Aras, pediu urgência no julgamento sob o argumento de que a derrubada do artigo impactaria na produção de genéricos voltados ao tratamento da Covid-19. No entanto, como destacaram os participantes da live, não se tem notícia na literatura científica internacional sobre medicamentos para esse fim. Outras drogas — usadas, por exemplo, para intubação de pacientes — já não contam mais com patentes protegidas.

“É uma falta de sensibilidade com o Judiciário pautar isso durante a pandemia”, disse o ex-ministro da Saúde. “A única arma para lidar com o vírus são as vacinas. Usar a pandemia é uma falácia, significa a nulidade completa do nosso país em respeitar marcos legais.”

Assim como Mandetta,Licks criticou a relação que a PGR fez entre a mudança na Lei de Patentes e a pandemia. “Infelizmente, não há nenhuma relação entre as atuais patentes e a oferta de genéricos para tratar da Covid-19. Foi leviano por parte do procurador-geral, uma afirmação desonesta que envergonha qualquer um.”

Entre as 31.560 patentes em risco, seis áreas estão mais expostas: telecomunicações, biotecnologia, medicamentos de uso humano (fármacos e biofármacos), eletrônica, elétrica e agroquímica. Desse total, por volta de 32% das patentes de 

titulares brasileiros também estão em posição de fragilidade (de um total de 11.082 patentes de invenção e de modelode utilidade).

Hoje, segundo Lohbauer, já existe uma resistência das grandes empresas em incluir o Brasil no seu mapa de desenvolvimento de pesquisas. Ele citou o exemplo de uma multinacional que mantém seu laboratório que estuda cana-de-açúcar na Europa — apesar de o Brasil ser protagonista nessa cultura. Diante do risco à Lei de Patentes, o representante da CropLife teme que o país perca ainda mais relevância.

Para os debatedores, acabar com a lentidão do INPI para examinar e decidir sobre pedidos de patente passa por um investimento na estrutura da autarquia, visando ao ganho de produtividade. Se isso for colocado em prática, o estoque de pedidos pendentes de análise deve cair. “Dentro de alguns anos,o parágrafo único do Artigo 40 vai ser letra morta, aplicado apenas para as moscas brancas”, pontuou o repre sentante do Fortec.

Outra possibilidade, apontou Licks, é deixar que o Legislativo e o Executivo apontem uma forma de dar celeridade ao processo de registro de patentes, analisando um projeto de lei que trata do tema e que já foi encaminhado pelo governo federal. Antes, no entanto, o advogado espera que o STF retire a Adin de pauta.