Apesar de o Brasil ter escapado de taxas maiores impostas por Donald Trump no novo tarifaço, setores industriais têm acendido o alerta sobre os efeitos colaterais da medida por aqui.
A avaliação é que o fechamento do mercado americano para países asiáticos deve fazer do Brasil um destino alternativo, o que pode inundar o país com concorrência mais acirrada em setores como calçados, roupas e máquinas.
O novo pacote prevê uma alíquota mínima de 10% sobre as importações brasileiras, mas chega a até 46% no caso de países como Vietnã e 34% para a China, que terá uma sobretaxa total de 54%, considerando tarifas anunciadas anteriormente.
— Como a tarifa atinge todos os produtos chineses, o risco é de desvio de comércio em praticamente todos os setores. Isso já aconteceu no passado e tende a se intensificar agora. A China tem escala e competitividade, e vai buscar mercados emergentes para escoar sua produção — avalia Welber Barral, sócio da consultoria BMJ.
A tarifa comparativamente menor para o Brasil pode gerar alguma competitividade para o país na disputa por espaço no mercado americano, o maior do mundo, especialmente no caso das commodities, como metálicas e agrícolas, avaliaram analistas do BTG Pactual, em relatório desta quinta-feira.
Um exemplo de ganhos é o café brasileiro. As novas tarifas elevando o custo do robusta vietnamita — principal concorrente do Brasil nesse segmento —, analistas apontam espaço para um reposicionamento estratégico.
Segundo a Scot Consultoria, mesmo com a possibilidade de queda nos preços internacionais devido ao excedente global, o Brasil pode ampliar sua fatia no mercado americano, onde a tarifa de 10% aplicada ao produto nacional é significativamente menor do que os 46% impostos ao Vietnã e os 32% à Indonésia.
Brasil no alvo
Para outros setores, no entanto, o balanço é de mais prejuízos do que ganhos. A indústria brasileira têxtil e de confecção, que exporta cerca de US$ 100 milhões por ano aos EUA, vê oportunidade para ampliar a presença no mercado americano, mas somente em nichos.
Esse reposicionamento, no entanto, envolve ganho de competitividade, o que pode acontecer somente no médio e longo prazo. A inundação maior dos produtos chineses, por outro lado, é uma preocupação mais imediata:
— O Brasil pode até ganhar mercado, mas não da noite para o dia. Substituir os asiáticos exige uma construção estratégica. Já o risco de desvio de comércio é imediato. — afirma Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), que cita risco de competição maior de países como China, Vietnã e Camboja — Esses países não vão parar de produzir. E vão tentar vender onde tiver mercado. O Brasil, que tem um dos maiores mercados consumidores do mundo, será um dos alvos.
Calçadistas animados
Já a indústria calçadista brasileira vê no tarifaço uma chance real de ganhar espaço nos Estados Unidos, seu principal mercado externo. Cálculos da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) estimam que a taxação elevará o imposto do calçado brasileiro que vai para os EUA para 27,3%. Já China, Vietnã e Indonésia, pagarão 51,3%, 63,3%, 49,3%, respectivamente.
O setor, por outro lado, também teme o novo avanço dos asiáticos. Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, os asiáticos deverão buscar alternativas para desovar sua produção, entre elas o Brasil.
Muito além das blusinhas
A preocupação vai além do impacto de mais “blusinhas” chinesas no país. O setor de máquinas e equipamentos, que exporta para os Estados Unidos cerca de 20% dos US$ 14 bilhões que vende para fora todos anos, tema que o aumento de 10% das alíquotas para o Brasil gere perda de competitividade para a indústria brasileira, que concorre com a americana em máquinas rodoviárias, agrícolas, logísticas, e de manufatura.
— Esse é o primeiro problema. O segundo é o desvio de comércio — afirma José Velloso Dias Cardoso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ).— Primeiro, a gente perde competitividade contra os americanos no mercado deles, que é o nosso maior importador de máquinas e equipamentos. Segundo, nós vamos ser atacados aqui no Brasil pelo desvio de comércio de máquinas que iam para os Estados Unidos e que agora virão para o Brasil.
Desde o início da primeira guerra comercial com a China (no primeiro governo Trump),Cardoso lembra que o Brasil viu um aumento de importação de automóveis, de químicos, de produtos de confecção e calçado chineses. Ele diz que com a indústria de máquinas não foi diferente e ressalta que importação de máquinas da China aumentou 34% só em 2024.
A avaliação dele é que, agora, a guerra comercial atual “vai piorar muito”, já que as tarifas atingem também Japão, Coreia do Sul e a própria Europa, que são produtores competitivos para o setor.
Janela para eletrônicos
No setor elétrico e eletrônico, a avaliação é semelhante sobre o balanço de riscos do tarifaço de Trump. Em nota, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica avalia que as novas tarifas criam uma janela de oportunidade para o Brasil, mas também indica que o país deve de “armar para enfrentar uma concorrência ainda maior no mercado interno, uma vez que países como China, Coreia do Sul e Vietnã deverão redirecionar suas exportações para outros mercados”.
— Se não baixarmos o custo Brasil, nós vamos nadar e morrer na praia — diz o presidente da Abinee, Humberto Barbato.
Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), mesmo que alguns produtos brasileiros ganhem competitividade pontual nos EUA, por terem taxas menores, o saldo final das tarifas de Trump tende a ser negativo para a economia nacional.
— É uma desorganização do comércio global. — resume Castro, que acrescenta que o Brasil poderá ter um movimento de preços artificialmente mais baratos no país com a chegada de mais itens asiáticos.
Em um comunicado, nesta quinta-feira, a diretora diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Ngozi Okonjo-Iweala, afirmou que está monitorando as medidas anunciadas pelos EUA. A organização estima que as medidas levem a uma contração de cerca de 1% no volume do comércio global de bens em 2025.
Leonardo Meira, analista do Grupo Eurasia, ressalta que o tarifaço marca uma nova fase na reconfiguração do comércio global, ainda cheia de incertezas:
— Há muitas peças se movendo. Trump tem sinalizado que vai resistir a negociar, mesmo com impactos internos, para forçar uma nova lógica comercial mais favorável aos EUA. Isso deve acelerar o movimento de outros países em busca de novos parceiros.