Brasil quer produzir semicondutores, com apoio do BNDES. Entenda os desafios
IstoÉ - 08/03/2024

Dos smartphones aos automóveis, os semicondutores são os maestros invisíveis que regem o funcionamento de qualquer dispositivo eletrônico. Com a ascensão da inteligência artificial, essa discussão assume uma relevância ainda maior, pois esses pequenos componentes são a espinha dorsal do processamento de dados e consequentemente determinantes para o futuro da tecnologia.

Não por acaso, estamos diante de uma corrida global pelo domínio na produção de semicondutores — uma verdadeira batalha dos chips. Países como China, Índia, Estados Unidos e a União Europeia estão despejando quantias vultosas de dinheiro para expandir a fabricação e exportação desses componentes.

Os semicondutores são peças fundamentais em uma ampla gama de produtos, desde dispositivos eletrônicos até equipamentos industriais avançados. Sua demanda global é alta, tornando o mercado extremamente competitivo e vital para a economia mundial.

Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o déficit comercial do setor de componentes eletrônicos foi de US$ 38,6 bilhões em 2022.

O consumo de semicondutores no Brasil em 2021 foi da ordem de US$ 11 bilhões, mas apenas 8% dessa demanda foi atendida por fabricantes nacionais.

“O Brasil carece de investimento em tecnologia. A indústria brasileira está estagnada e precisando de investimentos que permitam estimular o seu crescimento”, declara Wânderson de Oliveira Assis, professor de Engenharia Eletrônica do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).

Em meio à recente crise global de semicondutores estabelecida pela pandemia da Covid-19 e essa busca de fortalecer a base tecnológica do País e reduzir sua dependência de importações em um setor crucial para diversas indústrias, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tomou uma decisão estratégica ao financiar a produção desses componentes no Brasil. “Vejo como uma tentativa de aproveitar uma oportunidade geopolítica para o Brasil entrar na cadeia global de semicondutores”, analisa Josilmar Cordenonssi Cia, professor de finanças da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A aprovação do significativo financiamento do BNDES de R$ 290 milhões para a empresa de tecnologia Adata, sediada em Taiwan, com o objetivo de produzir chips semicondutores no Brasil faz parte do Programa BNDES Mais Inovação que busca fomentar iniciativas que reduzam a dependência tecnológica do país e fortaleçam sua base de tecnologia. “Os investimentos vão fortalecer a base de tecnologia e contribuirão para tornar o País menos dependente de importações, o que é crucial para a segurança e a soberania tecnológica”, explica o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

“É fundamental que o BNDES volte a ter o seu papel, claro que com responsabilidade. O BNDES precisa realmente ser usado como um elemento de alavancagem desse processo de autonomia do País em relação a outros mercados”, avalia Ricardo Balistiero — doutor e professor de Economia do IMT.

“Uma política de Estado que aproveite os recursos de pesquisa e recursos naturais, aliada à visão estratégica de cadeias produtivas para uma economia futurista, pode posicionar o Brasil de forma relevante no cenário geopolítico.”
Celso Camilo, Vice-Diretor do CEIA
Os semicondutores produzidos no Brasil pela Adata serão destinados a uma ampla gama de dispositivos eletrônicos, incluindo:
• notebooks,
• desktops,
• servidores,
• televisores,
• automóveis,
• e celulares.

Essa iniciativa também está alinhada com os objetivos da Nova Indústria Brasil, política que visa reduzir a dependência produtiva e tecnológica em produtos nano e microeletrônicos e semicondutores. “Além disso, espera-se uma geração considerável de empregos e renda, juntamente com o estímulo para atrair mais investimentos para o setor”, avalia Arthur Igreja, especialista em Tecnologia, Inovação e Tendências.

Nova Indústria
Para a Adata, empresa beneficiada pelo financiamento do BNDES, a implementação da produção de semicondutores no Brasil enfrentará desafios significativos, dada a complexidade e a tecnologia envolvida nesse processo. Uma política de Estado que considere as potencialidades dos centros de pesquisa, recursos naturais (por exemplo: silício e cobre) e tenha a visão estratégica de cadeias produtivas voltadas para uma economia do futuro pode colocar o Brasil em posição relevante no “tabuleiro geopolítico”, diz Celso Camilo, vice-diretor do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA).

Olhando para o futuro, o setor de semicondutores no Brasil enfrenta o desafio de implementar e manter políticas e planos existentes, como o Programa CI-Brasil, PADIS e Nova Indústria Brasil. “Vale lembrar, como exemplo da dificuldade de continuidade, que o Brasil criou uma empresa pública, o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (CEITEC), que foi desativada e retomada recentemente”, explica Camilo.